TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
183 acórdão n.º 413/11 O acórdão recorrido interpretou a referida norma no sentido de que não compete à acusação densificar o conceito de incompatibilidade com a dignidade indispensável ao exercício das funções de juiz, que é conceito transposto da própria lei. Compete-lhe descrever os factos e proceder à respectiva subsunção ou qualificação jurídica. É à entidade que aprecia a acusação que incumbe, a partir do entendimento que tenha do conceito, verificar se os factos o integram ou não. A primeira nota é a de que, estando em causa uma norma respeitante à fase de acusação, apenas há que considerar a não exigência dessa especificação no acto acusatório e não em quaisquer outro acto do procedimen- to disciplinar, designadamente no acto punitivo primário (decisão da formação permanente do CSM) ou no acto que aprecia a impugnação administrativa contra ele dirigido (decisão da formação plenária do CSM). Têm funcionalidades diferentes e têm diferente base legal a exigência de discriminação e de qualificação dos factos na acusação e a exigência de fundamentação de facto e de direito da decisão administrativa ou emmatéria adminis- trativa. O artigo 117.º do EMJ só respeita aos requisitos do acto acusatório, não aos requisitos do acto decisório. E, por essa mesma razão, é manifestamente destituída de fundamento a invocação do princípio da igual- dade (artigo 13.º da CRP) e da reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), normas constitucionais que a inclusão ou não de certa especificação num acto preparatório deste tipo é insusceptível de vulnerar. Só o acto punitivo, e não o prenúncio dele pela imputação de factos susceptíveis de o justificar, é susceptível de repercutir-se sobre os direitos pessoais do arguido ou sobre o princípio da inamovibilidade dos juízes. Assim, o único parâmetro constitucional pertinente, perante uma norma desta natureza ou com este conteúdo e finalidade, é o do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. O que pode estar em causa perante um tal acto é saber se um procedimento disciplinar assim concebido na fase de acusação assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa em processo de tipo sancionatório. Não se a medida cuja aplicação prenuncia pode lesar outros direitos ou valores constitucionais. Vejamos, então. Recorde-se que o processo disciplinar contra magistrados judiciais se encontra regulado nos artigos 110.º a 124.º do EMJ. Dispõe o artigo 117.º do EMJ que, concluída a instrução, o instrutor deduz acusação, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circuns- tâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis. O arguido é notificado da acusação, fixando-se‑lhe prazo entre 10 a 20 dias para apresentar a defesa (artigo 118.º). Durante o prazo de apresentação de defesa o arguido, por si ou através do defensor nomeado ou do mandatário constituído, pode examinar o processo (artigo 120.º). Com a defesa, o arguido pode indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências (artigo 121.º). A falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa constitui nulidade insuprível (n.º 1 do artigo 124.º). A participação do arguido em processo disciplinar de direito público assume a modalidade qualificada de direito de audiência e defesa. Esta garantia, que consta do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição para os processos sancionatórios em geral e que no texto constitucional é especificamente replicada a propósito dos trabalhadores da Administração Pública (no n.º 3 do artigo 269.º da Constituição), deve ser entendida como expressando um princípio geral de audiência prévia dos interessados e de reconhecimento do seu di- reito de defesa efectiva relativamente a quaisquer decisões que comportem um efeito punitivo. Trata-se de princípio intimamente conexionado com a ideia de “Estado de direito democrático” [artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição] e que não pode deixar de ser entendido como o assegurar de possibilidades reais, face a todo e qualquer procedimento com fim punitivo, de o interessado ser ouvido de modo a poder demonstrar a própria inocência ou reduzir a responsabilidade a termos justos, enfim, o right to be heard caracterizador do due process. Trata-se de uma participação com fins garantísticos, que se materializa através da técnica de atribuição de um direito fundamental (de audiência e defesa), cuja substancialidade exige que o regime do processo disciplinar proporcione ao arguido a possibilidade efectiva de se pronunciar sobre todos os factos, sobre todas as provas e sobre todas as questões jurídicas a ponderar na decisão final. Ora, esta finalidade cumpre-se suficientemente com a descrição dos factos e com a respectiva referencia- ção às normas em que se entende subsumir a conduta relativamente à previsão e punição (os “preceitos legais
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