TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Decreto-Lei n.º 553/80 – esse mesmo que remete para regulamento administrativo a definição, inovatória, dos ilícitos cometidos; a graduação das sanções que se lhes deveria aplicar; o procedimento a adoptar na sua aplicação – passou assim a ser direito sancionatório incidente sobre o exercício de uma liberdade fundamental, com todas as consequências que daí advêm quanto à extensão e à densidade da reserva de lei na regulação de matérias que lhe digam respeito. Com efeito, e como muito bem se sabe – e como sempre o tem dito o Tribunal: vejam‑se, entre outros, o Acórdão n.º 307/88 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 12.º Vol., pp. 499 e segs.), e ainda os Acórdãos n. os 174/93 e 185/96 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) – em matérias que impliquem restrições ou condicionamentos essenciais ao exercício de liberdades fundamentais só são constitucionalmente admissíveis os regulamentos de execução. Mas, além disso, a revisão constitucional de 1982 veio a proibir em geral as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem , ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei “habili- tante” (artigo 112.º, n.º 5, da versão actual da Constituição). Este princípio constitucional, introduzido em 1982, não pode deixar de ser considerado como um princípio de índole material ou substancial. O que nele se contém é algo mais do que uma regra ou conjunto de regras relativas a formas ou a competências. Com efeito, do princípio contido no n.º 5 do artigo 112.º da Constituição decorre uma proibição (de reenvios normativos para regulamen- tos praeter legem ) que, para além de incidir directamente sobre o âmbito da conformação do legislador ordinário, limitando‑o, reflecte a intenção do regime aprovado em 1982: a de conferir uma outra, e mais intensa, tutela constitucional à reserva da função legislativa – enquanto delimitação daqueles domínios de vida que só podem ser regulados por actos legislativos com exclusão de quaisquer outras fontes normativas –, “reserva” essa que, em última análise, decorre do princípio mais vasto do Estado de direito (que, recorde‑se, só veio a ser consagrado pelo texto da Constituição a partir de 1982). Por todos estes motivos, tem dito oTribunal, em jurisprudência constante, que a proibição de habilitações legais para a emissão de regulamentos praeter legem afecta directamente, não os regulamentos que tenham sido emitidos ao abrigo de “habilitações legais” indevidas, mas as próprias normas legais que os habilitaram, ainda que estas tenham sido aprovadas antes da revisão de 1982. Entende-se, com efeito, que, nesses casos, tais normas se tornam superve- nientemente inconstitucionais, precisamente por ser de ordem material – e não orgânica ou formal – o novo regime constitucional que veio dar outra, e mais intensa, tutela ao princípio da reserva de função legislativa (assim, e entre outros, Acórdão n.º 203/86, em Diário da República , II Série, n.º 195, de 26 de Agosto de 1986, pp. 7978 e segs.; Acórdão n.º 458/89, em Diário da República , II Série, n.º 25, de 30 de Janeiro de 1990, pp. 1019 e segs.; Acórdão n.º 1/92, em Diário da República , I Série, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1992, pp. 1026 e segs.; Acórdão n.º 869/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . É esta a doutrina que se deve aplicar às normas contidas no artigo 99.º do Decreto‑Lei n.º 553/80, que fixaram, sem a densidade que, ratione materiae , seria constitucionalmente exigida, o regime sancionatório aplicável às escolas privadas. Prejudicada fica, assim, a questão de saber se as normas da Portaria n.º 207/98 lesam, em si mesmas, algum parâmetro constitucional. A análise do problema torna-se inútil, face ao juízo, que acabou de ser feito, quanto à invalidade das normas legais que habilitaram a sua emissão.» São estes fundamentos inteiramente válidos para o presente caso, em que está em juízo uma outra ver- tente do direito sancionatório decorrente do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo – aplicado, desta feita, não às entidades proprietárias de escolas particulares mas aos directores pedagógicos das mesmas, nos termos do n.º 2, alínea a), do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro. Tanto basta, assim, para que também agora se profira juízo de inconstitucionalidade.

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