TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Diga-se, além do mais que já ficou expresso naquele acórdão, que os pressupostos aplicativos da inabilitação, só imposta em caso de culpa qualificada (nos termos do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, a culpa relevante circunscreve-se aqui ao dolo ou à culpa grave), criam obstáculos decisivos ao acolhimento desta segunda hipótese, fornecendo, ao invés, um bom argumento em prol da primeira. Na verdade, se o destinatário da tutela fosse o próprio afectado pela medida, não se compreenderia a restrição do âmbito subjectivo dos destinatários aos administradores menos merecedores dessa protecção, por lhes ser impu tável uma conduta gestionária altamente censurável, deixando de fora aqueles que actuaram sem culpa ou com culpa leve. De resto, a ser esse o fundamento da inabilitação, ficaria sempre por explicar porque é que os pressupos- tos geraisdessa medida, tal como estabelecidos no Código Civil, se mostram aqui insuficientes ou inadequados, abrindo campo para a aplicação de uma medida restritiva da capacidade, como efeito acessório necessário de uma situação de insolvência culposa, sem dependência da comprovação, pelos meios processuais próprios, de um défice de capacidade natural. O ponto decisivo é mesmo este. Na verdade, não pode excluir-se que a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas, justificativa da insolvência, seja o resultado de um comportamento anómalo, revelador da falta de qualidades exigíveis para uma autónoma e auto-responsável gestão dos interesses próprios. Mas, para os casos em que assim é, não se vislumbram, sob o prisma da tutela do incapaz, especiais razões determinantes de desvios ao regime comum, quanto à certificação da ocorrência (e permanência) de qualquer das causas de inabili- tação em geral previstas. Ao dispensar inteiramente os pressupostos condicionantes consagrados no artigo 152.º do Código Civil, impondo ao juiz, em caso de insolvência culposa, o dever de, sem mais, decretar a inabilitação, o legislador mostra que a instituiu, em si mesma, como uma adicional causa autónoma dessa medida, por razões distintas da que subjaz ao regime das normas codicísticas. É seguro, pois, que a medida não é determinada pela intenção de tutela do interesse do próprio inabilitado – incontroversamente o interesse visado por todas as formas de incapacidade submetidas ao regime comum, incluin- do a inabilitação por habitual prodigalidade, como é entendimento unânime da doutrina privatista (cfr., por todos, além de Orlando de Carvalho, ob. loc. cit. no Acórdão n.º 564/07, Carlos Mota Pinto, ob. cit. no mesmo Acórdão, pp. 227-228, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil , Coimbra, 2005, 3.ª edição, pp. 109 e 117). 8. O Acórdão n.º 564/07 assumiu que a vinculação das incapacidades a esse fim é também um imperativo constitucional, pelo que não é constitucionalmente admissível a instrumentalização das restrições à capacidade civil para atingir outros objectivos, designadamente como sanção à conduta culposa dos administradores da sociedade comercial declarada insolvente. Este entendimento já foi sufragado na doutrina (cfr. Luís Menezes Leitão, Direito da insolvência , Coimbra, 2009, pp. 275-276). No quadro desta posição, a solução em causa contraria o princípio da proporcionalidade logo no primeiro patamar do controlo da sua observância, pois a “legitimidade constitucional dos fins prosseguidos com a restrição”, bem como a “legitimidade dos meios utilizados” constituem um “pressuposto lógico” da sua idoneidade (nesse sen- tido, Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa , Coimbra, 2004, p. 166). Ora, se admitirmos – como se decidiu no Acórdão n.º 564/07 – que só a tutela do naturalmente incapaz goza de credencial bastante como justificação constitucionalmente relevante de medidas restritivas da capacidade civil, fica, à partida, irremediavelmente comprometida a validação da utilização das incapacidades como meio de prossecução de qualquer outro fim. Independentemente da justeza intrínseca desse outro fim, é ilegítima a sua prossecução por meio da sujeição dos administradores a um regime de incapacidade como o da inabilitação. Mas, mesmo adoptando uma posição mais complacente, acolhedora da legitimidade constitucional de uma concepção da inabilitação como um instrumento multivocacionado, idóneo a servir outros interesses, que não apenas os do próprio incapaz, a norma em questão não passa o test da proporcionalidade. Na verdade, sendo nula a relevância da inabilitação no processo de insolvência e seus resultados (Luís Carvalho Fernandes, ob. cit ., p. 102) não serão os interesses dos credores da massa insolvente (tutelados por outra via), mas
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