TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

165 acórdão n.º 409/11 processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (…).” Para atingir essa finalidade, já existe um mecanismo adequado no processo, tendente à conservação dos bens penhorados. Trata-se da transferência para o administrador da insolvência dos poderes de administração e disposi- ção dos bens integrantes da massa insolvente (artigo 81.º, n.º 1, do CIRE). Mas esta limitação de actuação negocial não pode ser confundida com uma incapacidade, quer pela sua causa e função, quer pelos efeitos dos actos praticados pelo insolvente em contravenção daquela norma: esses actos estão feridos de ineficácia (n.º 6 do artigo 81.º), não de anulabilidade, como seria o caso se fosse a incapacidade a quali- ficação apropriada. Assim se protege, na justa medida, os interesses dos credores. Foi por reconhecer que a situação não pode ser qualificada de incapacidade que o Acórdão n.º 414/02 deste Tribunal se pronunciou pela conformidade constitucional do, entre outros, artigo 147.º do anterior Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, a que corresponde, no actual Código, o artigo 81.º, n.º 1. Diz-se aí que essa norma não viola o artigo 26.º da CRP porque “tão pouco afecta o seu [do falido] direito à capacidade civil, mesmo entendido o sentido constitucional deste direito de uma forma ampla (há unanimidade na doutrina, no sentido de que não se trata de uma situação de ‘incapacidade’) […]”. Nada acrescentando à defesa da integridade da massa insolvente, não se vê também que a inovação introdu- zida pelo artigo 189.º, n.º 2, alínea b ), possa contribuir eficazmente para a defesa dos interesses gerais do tráfego, resguardando a posição de eventuais credores futuros do inabilitado. Pois, na verdade, e de acordo com o regime da inabilitação, estes não terão legitimidade para arguir a invalidade dos actos celebrados pelo inabilitado sem o consentimento do curador. Essa legitimidade, por força do disposto no artigo 125.º do Código Civil, aplicável, com as devidas adaptações, por remissão dos artigos 156.º e 139.º do mesmo Código – vide, por todos, C. Mota Pinto, Teoria geral do direito civil , 4.ª edição por A. Pinto Monteiro/P. Mota Pinto, Coimbra, 2005, p. 243 – cabe apenas ao curador, ao próprio inabilitado, uma vez readquirida a capacidade plena, e aos seus herdeiros. A inabilitação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE só pode, pois, ter um alcance punitivo, traduzindo-se numa verdadeira pena para o comportamento ilícito e culposo do sujeito atingido. Sintomaticamente, a sua duração é fixada dentro de uma moldura balizada por um mínimo e um máximo, tal como as penas do foro criminal. E os critérios para a sua determinação, em concreto, não andarão longe dos que operam nesta área (designadamente, o grau de culpa e a gravidade das consequências lesivas), pois não se vê que outros possam ser utilizados. Essa “pena” fere o sujeito sobre quem recai com uma verdadeira capitis diminutio , sujeitando-o à assistência de um curador (artigo 190.º, n.º 1). Ele perde a legitimidade para a livre gestão dos seus bens, mesmo os não apre- endidos ou apreensíveis para os fins da execução, situação que se pode prolongar para além do encerramento do processo [artigo 233.º, n.º 1, alínea a) ]. Consequência que, tendo também presente a globalidade dos efeitos da insolvência, e em particular a inibição para o exercício do comércio, não pode deixar de ser vista como inadequada e excessiva. O que tudo leva a concluir pela desconformidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b ), do CIRE, com o artigo 26.º, conjugado com o artigo 18.º da Constituição da República.” 7. Estando em juízo a violação do princípio da proporcionalidade – o que é um denominador comum a todas as decisões que sustentam o pedido em apreciação neste processo –, é determinante, para a formação dos juízos ponderativos que a aplicação desse princípio subentende, a identificação da teleologia imanente à norma sub judicio e dos interesses que ela procura acautelar. Não existe, nesta matéria, unanimidade de concepções, como se pode constatar pela simples análise da juris- prudência deste Tribunal. Enquanto que o Acórdão n.º 564/07 não logrou descortinar outra intenção legislativa, por detrás da imposição de decretar a inabilitação, que não fosse a de sancionar a conduta culposa dos sujeitos afectados, a Decisão Sumária n.º 615/07, fazendo-se eco de algumas posições doutrinárias, deixa em aberto o entendimento alternativo de que ela visa proteger esses sujeitos.

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