TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da hipoteca, afectada pelos regimes de privilégios creditórios ou do direito de retenção, é a teleologia funcional de um instituto jurídico – a hipoteca – que resulta obstaculizada por outras soluções normativamente estabe- lecidas. Em qualquer destas hipóteses, o que temos é uma situação juridicamente tutelada posta em cheque por prescrições jurídicas, nomeadamente as introduzidas por alterações legislativas. Há afectação da segurança jurídica (justificada ou não, essa é outra questão) por parte do Estado-legislador, o Estado produtor de nor- mas. O elo de ligação com os valores próprios do Estado de direito democrático está à vista. É de um cariz completamente diferente a situação dos autos. O que aqui se nos depara é uma situação de facto (a permanência no tempo de uma situação de facto), a que, por uma única razão de segurança jurí- dica, é conferida força bastante para eliminar a possibilidade de exercício de uma faculdade que se reconhece pertencer ao núcleo essencial de um direito situado no cerne da tutela constitucional da personalidade – o direito à identidade pessoal. Sendo que o acórdão assume como válida a ideia, já constante do meu projecto, de que o direito pessoal sacrificado surge reforçado pela correspondência com um interesse de ordem pública. Por mais esforço que empreguemos, não é fácil descortinar a conexão da tutela conferida a essa situação de facto com exigências do princípio do Estado de direito democrático, em que o princípio da segurança jurídica se aloja. Tanto quanto me é dado ajuizar, nunca o Tribunal foi tão longe no acolhimento do princípio da segu- rança jurídica. E, em minha opinião, foi longe de mais. Por último, diga-se que um juízo de inconstitucionalidade não corresponderia, contrariamente ao afir- mado no acórdão, a uma tutela “absolutizada” da identidade pessoal, não exigida pela Constituição. Esse juízo, como é óbvio, incidiria apenas sobre a norma aqui em causa, sem implicar necessariamente idêntica pronúncia sobre outras conformações normativas possíveis do regime comum, de mais matizada tutela da segurança jurídica, ou sobre regimes excepcionais, aplicáveis a certas configurações particulares dos interesses que se opõem ao conhecimento da paternidade. Lembro, a este propósito, que as normas do artigo 10.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (lei da pro- criação medicamente assistida) que, em caso de inseminação heteróloga, prescrevem, além do mais, que as pessoas nascidas por esse processo só podem obter informações sobre a identidade do dador “por razões pon- derosas reconhecidas por sentença judicial” (n.º 4), foram julgadas, por este Tribunal, não inconstitucionais (Acórdão n.º 101/09). A decisão só teve, neste ponto, um voto de vencido. E esse voto não foi o meu, nem o de nenhum dos membros do Plenário que votam vencidos o presente Acórdão. – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Discordei da tese que obteve vencimento por se me afigurar, mau grado resultar do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, com a redacção introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, aplicável às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, um prazo mais alongado – 10 anos para a propositura da acção, contado da maioridade do investigante – que o anteriormente previsto, que permanecem as razões que permitem continuar a concluir pela inconstitucionalidade daquela norma por violação, essencialmente, dos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personali- dade previstos no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República. Na realidade, tem-se por pacífico que o direito a conhecer a identidade dos progenitores integra-se plenamente no âmbito dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, previstos no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República – (cfr. G uilherme de Oliveira , “ Caducidade das acções de investigação”, in Lex Familiae , 2004, p. 8; Gomes Canotilho/Vital Moreira , Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, volume I, pp. 462 a 464). Ora, a acção de investigação de paternidade é, sem dúvida, o meio processual adequado para obter o conhecimento daquela identidade, designadamente quando a mesma não é reconhecida voluntariamente
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