TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
157 acórdão n.º 401/11 O homem é um ser em devir, estando a possibilidade de autoconformação, a todo o momento, da sua esfera de vida e da personalidade própria absolutamente coberta pelo direito fundamental ao desenvolvimen- to da personalidade (artigo 26.º, n.º 1). Este direito importa a faculdade de formação e de expressão da von- tade daquilo que se é ou se quer ser, no presente, sem constrições limitativas decorrentes da vivência passada. Nesta matéria, tratando-se de bens atinentes ao núcleo da personalidade, uma atitude pretérita não deve prevalecer sobre a vontade actual, por respeito àquele direito fundamental. Nem mesmo quando há uma vinculação negocialmente assumida a uma forma de conduta que contenda agora (no momento do cumprimento) com a auto-apresentação do obrigado. É isso mesmo que justifica que a limitação voluntária dos direitos de personalidade, quando legal, seja sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil). Por maioria de razão, a simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em tomar a iniciativa de investigação de paternidade não deve ser destrutiva da legitimidade para o fazer quando, no critério actual do próprio, tal corresponde ao seu interesse na constituição plena da sua identidade pessoal. Tanto mais que o querer exercer, apenas numa fase mais tardia da vida, um direito de investigação que anteriormente foi negligenciado não é susceptível de censura por uma valoração externa, segundo padrões de conduta normali- zada, tão complexa e singularizada é a teia de determinantes da decisão e forte a carga emocional que, muitas vezes, a caracteriza. Sem esquecer, no mesmo sentido, que a afirmação desse interesse, numa fase etária mais avançada, pode ser legitimamente influenciada pela consideração (só então possível) do interesse de outros (e, eventualmente, por pressão destes), igualmente afectados pelo desconhecimento da ascendência do inves- tigante (os seus descendentes, muito em particular). 11. Pode concluir-se que a natureza dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família reclama a sua vigência plena em todo o ciclo de vida do titular, harmonizando-se mal com soluções limita- tivas, inibidoras da sua plena realização por critérios de restrição temporal. Na medida em que a acção de investigação de paternidade é condição necessária à sua efectivação, o imperativo de tutela que na consagra- ção constitucional destes direitos vai implicado resulta insatisfeito com a fixação de um prazo de caducidade para o exercício dessa acção, tanto mais que não se descortinam razões adequada e suficientemente justifica- tivas para a sua imposição. Esse juízo é de afirmar ainda que o regime em concreto do prazo de caducidade contenha suficientes salvaguardas da possibilidade real de intentar a acção, pois contende com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade que decisões finalizadas a obter, no presente, o gozo de bens que nuclearmente a constituem possam ser obstaculizadas por uma preclusão resultante do desinteresse, no pas- sado, em tomar essa iniciativa. Por tudo, é de concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, padece de inconstitucio- nalidade.» Acrescento apenas, ao que fica dito, duas reflexões mais. Em minha opinião, o acórdão falha rotundamente a operação de ponderação em que a decisão assenta. É assim porque sobrevaloriza indevidamente as razões de segurança jurídica, atribuindo-lhes um peso que elas constitucionalmente não têm. O princípio da segurança jurídica não aparece autonomamente enunciado na Constituição. Ele é inferido do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição). Dado este étimo fundante, a apli- cação dessa ideia regulativa, algo abstracta e indeterminada, pressupõe, no plano constitucional, a possibilidade de estabelecimento de uma qualquer conexão de sentido entre exigências de segurança jurídica e os parâmetros valorativos contidos no princípio do Estado de direito democrático. E tudo aconselha a aplicação cauta dessa ideia, sobretudo quando, como no caso, ela não é invocada como princípio objectivo, mas como fundamento de tutela de uma posição subjectivada, e fora do seu habitat natural, que é o das relações patrimoniais. Até ao presente acórdão, o Tribunal Constitucional tem seguido, com rigor, esta linha orientativa. Não é por acaso que a esmagadora maioria das decisões, nesta matéria, tem a ver com questões de estabilidade ou determinabilidadenormativas. É a continuidade da ordem jurídica, ou a sua formulação em termos segura- mente perceptíveis pelos destinatários, que está em causa. Ou então, como nos acórdãos referentes à garantia
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