TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

155 acórdão n.º 401/11 Mesmo que uma iniciativa tardia possa ser tipicamente associada ao exclusivo desejo de aquisição do direito a herdar – o que, aliás, é dificilmente sindicável, com objectividade – não se vê que alguém em condições de ver reconhecida a qualidade de filho deva ser impedido de accionar o meio processual para tanto pela razão de que só o faz para poder, em devido tempo, reclamar o que lhe é devido em função dessa qualidade. A efectiva vivência familiar, com a constituição de laços pessoais, não é, de acordo com o regime sucessório, condição de titularidade e de exercício dos direitos dos herdeiros legitimários. Tanto assim que os filhos gera- dos em matrimónio, e salvas as situações extremas justificativas de deserdação, não deixam de herdar, mesmo que não tenham chegado a estabelecer, ou tenham perdido, qualquer ligação pessoal com o progenitor, ou mesmo que essa ligação tenha um cunho litigioso. Não se compreende, neste contexto, que a procura, pelo pretenso filho, de um efeito legal, que decorre apenas, sem mais, do vínculo jurídico de filiação, seja consi- derado uma causa indigna da constituição desse vínculo, unicamente porque já não é possível dar realidade prática aos efeitos pessoais que dele também promanam – o que frequentemente só aconteceu, diga-se de passagem, porque o pai se furtou (ou, pelo menos, não diligenciou) a assumir, no passado, a responsabili- dade decorrente do acto de procriação. Tal significaria uma disparidade de tratamento do nascido fora do casamento, sobrecarregando desvantajosamente a situação em que, por força dessa condição de nascimento, ele está já está naturalmente colocado. São invocadas, por último, razões de certeza e de segurança jurídicas, que abonariam a favor da caduci- dade, uma vez que esta não permite o prolongamento da indefinição quanto ao estabelecimento do vínculo de filiação. E é perfeitamente natural a mobilização dessas razões, pois elas correspondem à teleologia geral e ao sentido operativo do instituto da caducidade. Tendo isso em conta, o percurso de análise deve seguir uma rota de indagação da eventual ocorrência de fundamentos para afastar, ou, pelo menos, desvalorizar, neste domínio, o peso de ponderação das razões associadas, em regra, à caducidade. Nesta perspectiva, pode, desde logo, reafirmar-se o que já o Acórdão n.º 486/04 salientou, que não é “o valor da certeza objectiva da identidade pessoal que está em causa”, pois essa, acrescentamos nós, é sempre alcançável, em qualquer fase, dados os meios científicos e técnicos hoje disponíveis. Mas cremos que, neste plano, se pode e deve ir mais longe, para sustentar que a constituição e a deter- minação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse geral (de ordem pública), a um relevante princípio de organização jurídico-social. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético de filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projecções externas a essa relação (em tema de impedimentos matrimoniais, por exemplo). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. Daí, além do mais, a consagração da averiguação oficiosa. O que, contrariamente ao pretendido pela invocação do argumento, também depõe no sentido de não inviabilizar, mas antes de aproveitar, a iniciativa do pretenso filho, apesar do decurso de certo período de tempo, pois ela permitirá certificar a existência ou não do pretendido vínculo, pondo termo a qualquer dúvida. É na dimensão subjectiva, como segurança para o investigado e sua família, que este valor poderá ter algum espaço de irradiação, ainda que se reconheça, como tem sido observado, que é no campo patrimonial que ele encontra o seu domínio privilegiado de actuação. Prima facie , parece fazer sentido arguir que alguém a quem é imputada uma possível paternidade – vínculo de efeitos não só pessoais, como também patrimoniais – tem interesse em não ficar ilimitadamente sujeito à “ameaça”, que sobre ele pesa, de instauração da acção de inves- tigação. Também deste ponto de vista, há razões para incentivar o exercício o mais cedo possível desse direito. Simplesmente, aquele interesse do investigado é, em grande medida, autotutelável, não se justificando que ele seja acautelado à custa do sacrifício de um bem pessoalíssimo da contraparte. Como escreveu Gui- lherme de Oliveira ( ob. cit ., p. 10): «Das duas uma: se o suposto progenitor julga que é o progenitor, está nas suas mãos acabar com a insegurança – perfilhando – e se tem dúvidas pode mesmo promover a realização de testes científicos que as dissipem; se, pelo contrário, não tem a consciência de poder ser declarado como progenitor, não sente a própria insegurança».

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