TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
153 acórdão n.º 401/11 a orientação nele fixada, quanto à conformidade constitucional do estabelecimento, em si mesmo, de um prazo. Só seria possível manter esse critério se considerássemos que a norma posta em vigor pela Lei n.º 14/2009 enferma, na sua concreta configuração, de forma equiparável ao enunciado normativo anterior, de vícios de natureza e grau suficientes para fundar um juízo de inconstitucionalidade. Não pensamos, todavia, assim. O alongamento do prazo, associado à sua perda de eficácia em face de con- dições (de cognoscibilidade dos elementos identificadores do pai e probatórios do vínculo biológico, sobretudo) concretamente inibidoras do efectivo exercício do direito de investigar, responde satisfatoriamente, no essencial, à censura que foi anteriormente dirigida ao regime de caducidade. Se for constitucionalmente admitida uma limitação temporal da acção tendente ao estabelecimento do vínculo de filiação, esta solução limitativa não padece de vícios (eventualmente sanáveis por outra solução limitativa) que acarretem a inconstitucionalidade. Mas, se assim é, a apreciação daquele pressuposto condicionante torna-se agora incontornável, pois dela vai depender o sentido da decisão a tomar. A ser emitida, uma pronúncia de inconstitucionalidade sê-lo-á, não por força da limitação específica estabelecida no n.º 1 do artigo 1817.º (designadamente, da duração do prazo), mas por se entender que a tutela dos bens titulados pelo investigante não se compadece com qual- quer limitação, ou que os interesses a que ela corresponde a não justificam. Inversamente, um juízo de não inconstitucionalidade absorve a convicção (pelo menos implicitamente) de que uma limitação em termos adequados não fere qualquer parâmetro constitucional. Em suma, a questão de base a decidir, nos presentes autos, será a de saber se decorre da Constituição uma imposição de que as acções de investigação de paternidade possam ser intentadas a todo o tempo. 9. Numa perspectiva funcionalizada a esta colocação do problema, cumpre “revisitar”a incidência dos parâmetros constitucionais pertinentes sobre o merecimento e necessidade de tutela dos interesses que, nesta matéria, podem afirmar presença. É hoje pacificamente aceite que o direito a conhecer a identidade dos progenitores cabe no âmbito de protecção do direito à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), de que constitui uma dimen- são fundamental – o que, de resto, foi, desde o primeiro momento em que se pronunciou sobre a questão, sustentado, sem qualquer reserva, por este Tribunal (cfr. o Acórdão n.º 99/88). Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (“Caducidade das acções de investigação”, in Lex Familiae , 2004, p. 8). A “historicidade pessoal” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Cons tituição da República Portuguesa Anotada , I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 462), em veste de conhecimento e reconhecimento das origens genéticas, é um factor conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo. Poderá observar-se que, em rigor, a acção de investigação de paternidade, se procedente, conduz a algo mais do que à satisfação do direito ao conhecimento da proveniência biológica. Na verdade, ela não propor- ciona apenas a obtenção de informação quanto a esse dado pessoal – a identificação do progenitor –, pois tem efeitos constitutivos da relação jurídica correspondente. A constatação da procriação tem repercussão no estatuto de pai e filho, vinculando-os juridicamente a um conjunto de direitos e deveres recíprocos inerentes a essa qualidade. Mas este meio processual, para além de ser o único consagrado para obter o reconhecimento daquele factor da identidade pessoal, encontra também sólido arrimo no direito fundamental a constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição), de que é instrumento necessário, nas circunstâncias em que se encontra o investigante. Como direito normativamente constituído e normativamente dependente, uma vez que tem por objecto uma faculdade jurídica, esse direito fundamental reclama a predisposição e disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos de efectivação, no caso, meios de estabelecimento do vínculo jurídico de filiação, com realce para o exercitável pelo filho. A isso serve a acção de investigação. Em face destes irrestritos imperativos constitucionais, de intensa carga valorativa, os interesses que tradi- cionalmente se alinha(va)m como apontando no sentido da fixação de prazos de caducidade (ou, até, de curtos
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