TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Civil), e nos casos de procriação medicamente assistida heteróloga, isto é com recurso a gâmetas de dadores e a dádiva de embriões (artigo 10.º, n.º 2, e 21.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho). Mas neste recurso está apenas em causa a recente opção do legislador de continuar a estabelecer limites temporais genéricos à propositura das acções de investigação de paternidade. 7. A questão da constitucionalidade da previsão de limites temporais à propositura da acção de investi- gação da paternidade A tese sustentada na decisão recorrida é a de que os interesses que anteriormente justificavam a fixação de prazos de caducidade revelam-se, numa observação actualizada, insubsistentes, pelo que deixaram de ter uma eficácia contrabalanceadora, capaz de justificar a previsão de limites temporais à instauração da acção de investigação da paternidade. A caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, pro- cura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida defini- ção, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exerce-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção. Apesar dos decisivos progressos científicos no domínio da determinação da filiação biológica, conju- gados com a evolução verificada nos valores dominantes no âmbito da filiação, terem determinado uma significativa desvalorização dos interesses que presidiam ao estabelecimento de prazos de caducidade para a propositura das acções de investigação da paternidade, alguns desses interesses não deixaram de manter um peso atendível pelo legislador nas suas opções de definição do regime da constituição da filiação. Desde logo, há que ter presente que ainda existem situações, por ventura residuais, em que, face à inexis- tência de um registo universal de ADN, quando não é conhecido o paradeiro do investigado ou este já faleceu (como sucede no presente caso) e o seu cadáver não está acessível ( v. g. porque foi cremado), não existindo familiares directos do suposto pai necessários à realização dos exames periciais, não é possível a determinação científica da filiação, havendo que recorrer aos meios tradicionais de prova, pelo que nessas situações continua a fazer todo o sentido a intenção de evitar a valorização de provas pouco fiáveis devido ao seu envelhecimento, sendo o estabelecimento de prazos de caducidade um meio ao dispor do legislador para atingir esse objectivo. Mas, já num plano geral, não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante prin- cípio de organização jurídico-social. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a loca- lização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projecções externas a essa relação ( v. g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. Daí, além do mais, a consagração da averiguação oficiosa de paternidade (artigos 1864.º e seguintes). E importa que esse objectivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos. Este interesse também tem projecção na dimensão subjectiva, como segurança para o investigado e sua família. Não deixa de relevar que alguém a quem é imputada uma possível paternidade – vínculo de efeitos não só pessoais, como também patrimoniais – tem interesse em não ficar ilimitadamente sujeito à “ameaça”, que sobre ele pesa, de instauração da acção de investigação. Note-se que este interesse do suposto pai não é auto-tutelável, uma vez que nas situações de dúvida a realização de testes científicos exige a colaboração do suposto filho, além de que nas situações de completo desconhecimento, apesar de não se registar uma vivên- cia de incerteza, a propositura da acção de investigação potencialmente instaurada largos anos volvidos após a procriação é de molde a “apanhar de surpresa” o investigado e a sua família, com as inerentes perturbações

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