TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conjugal do investigado e da reserva da vida privada deste perderam importância e começaram a ser olhados como interesses menores face ao superior interesse do investigado conhecer e ver reconhecida juridicamente as origens da sua existência. Foi um novo olhar que perscrutou o peso real dos argumentos que sobraram após a saída de cena do envelhecimento e aleatoriedade das provas da paternidade, e que não deixou de acompanhar as novas reali- dades familiares, a valorização da realização individual e a preocupação da verdade e da transparência. 5. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em matéria de prazos de caducidade das acções de investigação da paternidade O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também já teve oportunidade de se pronunciar sobre a compatibilidade de limitações temporais ao exercício do direito de investigação da paternidade com os prin- cípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Extraindo do “direito ao respeito da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 8.º, n.º 1, da Con- venção, um direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas, o Tribunal tem entendido que a existência de um prazo limite para a instauração duma acção de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas. Neste discurso é realçado que o “direito ao respeito da vida privada e fami- liar” não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respectivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, importando harmonizar os interesses opostos. Neste sentido pronunciaram-se os acórdãos de 6 de Julho de 2010, proferidos nos casos Backlund c. Finlândia (queixa n.º 36498/05), e Gronmark c. Finlândia (queixa n.º 17038/04) e de 20 de Dezembro de 2007, proferido no caso Phinikaridou c. Chipre (queixa n.º 23890/02), nos quais estava em causa a existência de prazos limite para a instauração de acções de reconhecimento da paternidade (acessíveis em www.echr.coe.int/hudoc ). Nestes arestos ponderou-se se o sistema concreto de prazos das legislações em causa assegurava uma real possibilidade dos interessados estabelecerem a sua paternidade, não criando ónus que dificultassem excessi- vamente o estabelecimento da relação biológica. 6. Os direitos fundamentais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respec- tivo vínculo jurídico O direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do res- pectivo vínculo jurídico (sobre a distinção entre estes dois direitos, vide João Loureiro, em “Filho(s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga”, na Revista Lex Medicae , ano 3.º (2006), n.º 6, pp. 26 e segs., e Rafael Vale e Reis, em “O direito ao conhecimento das origens genéticas”, pp. 108 e 109), cabem no âmbito de protecção quer do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição). A identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, isto é, “uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determi- nada vivência pessoal” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 609, da 2.ª edição, da Coimbra Editora).

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