TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL agravada pelo envelhecimento e aleatoriedade da prova, e ainda o interesse da paz da família conjugal do investigado e o direito à reserva da vida privada deste. Contudo, a consolidação e a aplicação bem sucedida das novas técnicas laboratoriais de determinação científica da paternidade viriam a ser decisivas numa mudança de rumo da jurisprudência constitucional. A primeira viragem neste entendimento deu-se com a prolação do Acórdão n.º 456/03, de 14 de Outubro de 2003 (publicado no Diário da República, n.º 34, II Série, de 10 de Fevereiro de 2004, p. 2368, e em Acordãos do Tribunal Constitucional, 57.º Vol., p. 461), que julgou inconstitucional a norma constante do artigo 1817.º, n.º 2, do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, por impedir a investigação da paternidade em função de um critério que utilizava um prazo objectivo, nos casos em que os fundamentos e as razões para instaurar a acção de investigação surgiam pela primeira vez em momento ulterior ao termo do prazo referido no n.º 1 do mesmo artigo 1817.º do Código Civil. Este aresto não censurou a existência de limites temporais ao exercício do direito de instaurar acção de investigação, mas apenas a consagra- ção de limites que inviabilizavam absolutamente a possibilidade do interessado averiguar o vínculo de filiação natural quando o fundamento para o fazer ocorria em momento posterior ao prazo de dois anos após aquele ter atingido a maioridade ou se ter emancipado. Na verdade, o n.º 2 do artigo 1817.º do Código Civil, não só exigia que a acção de paternidade fosse proposta no ano seguinte à rectificação, declaração de nulidade ou can- celamento do registo de paternidade existente, o qual impedia, enquanto vigente, o reconhecimento de outra paternidade, como também impunha que a remoção do registo tivesse sido requerida até ao termo do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, se o investigante tivesse legitimidade para esse pedido. Daí que, como sucedia no caso em que foi proferido o referido Acórdão, uma filha, após a ultrapassagem do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, não pudesse investigar a paternidade biológica quando visse impugnada com sucesso a paternidade presumida em acção proposta pelo cônjuge da mãe após já ter decorrido aquele prazo. Foi a subordinação a este último prazo que se completava independen- temente do conhecimento pelo investigante das razões que justificavam a sua pretensão de ver reconhecida a sua paternidade biológica que foi censurada pelo Tribunal Constitucional. Novo passo seria dado no Acórdão n.º 486/04, de 7 de Julho (publicado no Diário da República n.º 35, II Série, de 18 de Fevereiro de 2005, p. 2456, e em Acordãos do Tribunal Constitucional , 60.º Vol., p. 191), através do qual se julgou inconstitucional o artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, ao prever a extinção do direito de investigar a paternida- de, dois anos após o investigante ter atingido a maioridade ou a emancipação. Também neste último aresto, apesar de se fazer referência às posições que defendiam a “imprescritibilidade” das acções de investigação da paternidade, não se reprovou a existência de limites temporais à sua propositura, mas apenas a consagração de prazos que, pela sua exiguidade, dificultavam seriamente ou inviabilizavam a possibilidade do interessado averiguar o vínculo de filiação natural, nomeadamente a circunstância do prazo se esgotar num momento em que o investigante não era ainda uma pessoa inteiramente madura e em que o mesmo podia nem sequer ter qualquer justificação para a interposição da acção de investigação. A inconstitucionalidade do prazo objectivo consagrado no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, viria posteriormente a ser declarada com força obrigatória geral pelo Acórdão do Plenário n.º 23/06, de 10 de Janeiro (publicado no Diário da República, n.º 28, I-A Série, de 8 de Fevereiro de 2006, p. 1026, e em Acordãos do Tri bunal Constitucional , 64.º Vol., p. 81), por se entender que o mesmo funcionava como uma restrição inadmi ssível do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família. Mas os prazos de caducidade especiais previstos nos n. os 3 e 4 do artigo 1817.º do Código Civil, ape- sar de assentarem num critério subjectivo também viriam a ser julgados inconstitucionais, respectivamente pelos Acórdãos n.º 626/09, de 2 de Dezembro (publicado no Diário da República, n.º 11, II Série, de 18 de Janeiro de 2010, p. 2378 e em Acordãos do Tribunal Constitucional , 76.º Vol., p. 409) e 65/10, de 4 de Feve- reiro (publicado no Diário da República, n.º 46, II Série, de 8 de Março de 2010, p. 10 194, e em Acordãos do Tribunal Constitucional , 77.º Vol., p. 387), que consideraram que os mesmos resultavam, pela sua curta duração, numa restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal.
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