TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. A existência de limites temporais à investigação da paternidade no direito ordinário português O estabelecimento de prazos específicos de caducidade para as acções de reconhecimento da filiação surgiu expressamente na legislação portuguesa apenas com o Código Civil de 1867, acompanhando a consagraçãoda regra napoleónica da proibição da investigação da paternidade, a qual só era admissível em casos excepcionais tipificados na lei. Na redacção originária deste Código, após algumas hesitações reveladas nas diversas versões do Projecto do Visconde de Seabra, nos casos em que, excepcionalmente, era admitida a investigação da paternidade dos “filhos ilegítimos”, estes só podiam intentar a respectiva acção durante a vida dos investigados, excepto se estes falecessem durante a menoridade dos filhos – caso em que se sobrepunha um prazo de caducidade de 4 anos após a maioridade, ou emancipação –, ou quando os filhos obtivessem após a morte dos pais documento escrito destes revelando a sua paternidade – situação em que poderiam propor a acção a todo o tempo (artigo 133.º). A implantação do regime republicano foi acompanhada de alterações em sede de Direito da Filiação, tendo sido ampliadas as hipóteses de admissibilidade da acção de investigação da paternidade. No que respeita aos limites temporais da sua propositura, o artigo 37.º do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, veio admitir que a acção de investigação de filiação pudesse ser ainda intentada no ano seguinte à morte dos pretensos progenitores e, em sentido contrário, nas acções fundadas em escrito obtido após a morte daqueles, impôs um prazo de caducidade de seis meses após a descoberta desse escrito. Pode-se dizer que no estabelecimento destes limites estiveram presentes razões ligadas às dificuldades de prova da paternidade, às inibições do investigante nos casos de posse de estado, e à segurança e certeza jurídica. Na verdade, se à proibição inicial da propositura destas acções após a morte do investigado presidiu a ideia que os herdeiros do suposto pai não se encontravam nas melhores condições para poder refutar, com conhecimento da situação, as imputações do investigante, o que prejudicava um apuramento da verdade que, pela natureza íntima dos factos, já se revelava de extrema dificuldade, o aditamento da possibilidade dessas acções serem ainda propostas no ano seguinte à morte do investigado visou contemplar as hipóteses em que este dispensava tratamento como filho, o que coarctava a iniciativa do investigante. Compreensi- velmente, excepcionaram-se os casos em que o decesso do suposto pai se verificava quando o investigante ainda era menor, concedendo-se um prazo de 4 anos após a data em que este atingisse a maioridade ou fosse emancipado, uma vez que só a partir dessa altura é que o investigante se encontrava em condições de, por sua iniciativa, dirigir tal pedido ao tribunal, mas também se permitiu a propositura da acção de investigação após a morte do investigado quando após essa data fosse descoberto escrito do suposto pai, reconhecendo a paternidade, por se entender que, perante a força deste meio de prova, não se justificava estabelecer um limite anterior para a propositura da acção, impedindo a valoração de tal elemento. O interesse da segurança jurídica esteve presente na fixação dos curtíssimos prazos de um ano após a morte do investigado, nos casos de existência de posse de estado, e de 6 meses após a descoberta do escrito, os quais visaram pressionar o investigante a agir com rapidez, de modo a não protelar tempos de incerteza no domínio das relações familiares. Perante as críticas que vinham sendo feitas à permissividade do regime do Código de Seabra em matéria de prazos para a propositura das acções de investigação da paternidade (vide, por exemplo, Paulo Cunha, em Lições de direito de família , II vol., p. 238, da edição de 1941, da Imprensa Baroeth, e Gomes da Silva, em “O direito de família no futuro Código Civil”, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 88, pp. 86-87), o Códi­ go Civil de 1966, no seu artigo 1854.º estabeleceu um sistema de prazos de caducidade consideravelmente mais limitativos e que, com pequenas alterações e aditamento de normas interpretativas, se manteve, após a Reforma de 1977, na redacção do artigo 1817.º do Código Civil, até às alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril (esta opção não era seguida porém no artigo 51.º, do Anteprojecto de Pires de Lima, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 89, p. 54, que não se distanciava do regime do

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