TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

135 acórdão n.º 398/11 e produçãode meios de prova que visam a determinação pelo tribunal da realidade que importa apurar para a aplicação do direito vigente, tendo em atenção o conteúdo deste. Ora, se essa actividade se orienta, tendo em vista um determinado regime legal que no momento da decisão não vem a ser aplicado, sendo substituído por um novo regime, o quadro fáctico apurado pode revelar-se desadequado face ao conteúdo da lei mais recente. A acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária em que, apesar de se superiorizar um interesse (do menor) que se visa regular, não deixa de existir um conflito de representações ou de opiniões sobre os termos dessa regulação, cujos sujeitos são os progenitores do menor e o Ministério Público. Sendo, por isso, partes neste processo, estes desenvolvem uma estratégia processual com vista a que a sua visão do interesse do menor venha a ser acolhida pelo tribunal, de acordo com as regras substantivas pré-estabelecidas, dando notícia apenas das realidades necessárias à aplicação dessas regras. Do mesmo modo age o próprio tribunal, no âmbito dos seus poderes inquisitórios, o qual tem a preocupação de apenas recolher os elementos que necessita para regular o exercício das responsabilidades parentais do menor no interesse deste, segundo as regras de direito substantivo que vigoram. Ora, se essas regras se alteram durante o decurso do processo, não só as partes são surpreendidas, vendo frustrada a estratégia processual adoptada, como o quadro fáctico apurado pode ser insuficiente para permitir uma aplicação das novas regras que proteja os interesses do menor, uma vez que foi determinado em função de um regime legal com um conteúdo diferente. É certo que estando nós perante um processo de jurisdição voluntária, em que o tribunal dispõe de amplos poderes de flexibilização da tramitação processual, parece que nada impediria, mesmo nos processos que se encontrassem em fase de recurso, que o tribunal reabrisse a fase de alegação de factos e de produção de provas, de modo a adequar o quadro fáctico apurado ao novo conteúdo do direito substantivo. Mas esta repetição de procedimentos, que sempre estaria na disponibilidade do julgador, não só resultaria numa inutilização do anterior processado, como também implicaria um prolongamento do tempo da regulação do exercício das responsabilidades parentais, prejudicando o normal e eficaz funcionamento das instâncias judiciais e a satisfação dos interesses do menor. A relevância da ponderação destas consequências no domínio da intervenção judicial na definição do conteúdo das relações familiares não é nenhuma novidade legislativa, tendo, por exemplo, igual disposição transitória sido adoptada pelo próprio Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro (artigo 177.º), que havia introduzido o regime agora alterado. Independentemente de sabermos se a protecção dos interesses acima apontados é exigida pelo princípio constitucional da segurança jurídica e da confiança, ou do direito a um processo equitativo, e sem apreciar- mos a sua bondade, pode dizer-se que ela não deixa de ser um fundamento legítimo, compreensível e razoá- vel para o critério normativo escolhido. Por isso, não é possível dizer que a diferenciação resultante da norma contida no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, se revela arbitrária, uma vez que não se verifica que da escolha do critério de aplicação da lei no tempo feita pelo legislador resultem diferenças de tratamento que não encontrem justificação em fundamentos perceptíveis, inteligíveis e razoáveis, tendo em conta a finalidade que, com a diferença estabelecida, se visou almejar. Ora, como ensinam J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anota- da, vol. I, p. 399, da 4.ª edição, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualda- de, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que: «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de con- formação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»

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