TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, esta noção moderada de reserva de jurisdição admite que um tribunal do trabalho possa conhecer de decisões proferidas por órgãos administrativos que, embora materialmente correspondam a “actos admi­ nistrativos” destinados a produzir efeitos numa concreta e individualizada relação jurídico-administrativa, quando aquelas digam respeito a decisões condenatórias no âmbito de um procedimento contra-ordenacional fixado por regime relativo a matérias de apoio social. Isto porque a reserva de jurisdição fixada pelo n.º 3 do artigo 212.º da CRP apenas exige que seja respeitado o núcleo essencial dos litígios jurídico-administrativos cujo conhecimento deve caber aos tribunais administrativos, sob pena de esvaziamento da tutela jurisdicio- nal efectiva de natureza administrativa. Para além disso, certo é que, conforme sobejamente prevenido pela doutrina (Vítor Gomes, As sanções administrativas na fronteira das jurisdições. Aspectos jurisprudenciais , p. 13), tal atribuição de competências à jurisdição comum deve ser justificada, designadamente, pela necessidade de garantia da tutela efectiva dos administrados. Sucede que, no que diz respeito à impugnação de decisões condenatórias de natureza contra-ordenacio- nal, a unanimidade da doutrina – incluindo aquela que, num plano do direito infraconstitucional a cons­ tituir, advoga a sua sujeição à jurisdição administrativa (representando tal corrente, ver António Duarte de Almeida, O ilícito de mera ordenação social na confluência de jurisdições: tolerável ou desejável? , pp. 13 e 14; Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos , pp. 24 e 25) – reconhece que existem fundadas razões para que tal competência caiba, excepcionalmente, aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos. Em suma, são invocadas razões relacionadas com a escas- sez do número de tribunais administrativos – por comparação com os tribunais judiciais – e com a garantia de especialização dos tribunais que conhecem dos litígios jurídico-administrativos em causa (Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos , cit., pp. 22 e 23). Dito de outro modo, atenta a especialização de alguns tribunais judiciais em função das matérias a apreciar, a própria garantia de tutela jurisdicional efectiva dos administrados (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) sairia reforçada pela atribuição àqueles do conhecimento de acções de impugnação de decisões condenatórias de natureza contra- -ordenacional. Na mesma linha, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, recentemente, através do Acórdão n.º 522/08 (já supra citado): «Na verdade, a opção legislativa, com longa tradição entre nós, de manter o contencioso das contra-ordenações excluído da jurisdição administrativa foi assumida na discussão que antecedeu a recente reforma do contencioso administrativo e a redefinição do respectivo âmbito da jurisdição, de que veio a resultar o actual artigo 4.º do Esta­ tuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho). Como justificação para esta opção, invocaram-se as insuficiências de que padece a rede de tribunais administrativos (mesmo após a reforma), incapaz de dar a adequada resposta, sem o risco de gerar disfuncionalidades no sistema (cfr. Diogo Freitas do Amaral/ Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Coimbra, 2002, p. 24). Por último, sendo inegável a natureza administrativa (…) do processo de contra-ordenação e das situações jurídicas que lhe estão subjacentes, a verdade é que o processo contra-ordenacional, pelo menos na fase judicial, está gizado à imagem do processo penal (cfr. artigos 41.º e 59.º e segs., maxime , 62.º e segs., do Regime Geral das Contra-Ordenações, e artigo 52.º Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que estabelece o regime aplicável às contra- -ordenações ambientais). Neste contexto, em que coexistem matérias administrativas com modelos processuais penalistas, a “remissão” para os tribunais judiciais das impugnações judiciais no âmbito de processos de contra- -ordenação (ambiental) não se afigura atentatória do figurino típico que a Constituição quis consagrar quanto ao âmbito material da justiça administrativa». Ora, esta jurisprudência é perfeitamente transponível para o caso da norma em apreço nos presentes autos. O tribunal do trabalho dispõe de competência especializada em matéria de âmbito social, a contra-ordenação em causa diz respeito à violação de regras legais aplicáveis em matéria de apoio social a idosos – in casu , da

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