TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
89 acórdão n.º 19/11 de contra-ordenações decorrentes da violação de regimes do âmbito da segurança social – importa verificar se tal opção legislativa corresponde a uma violação da esfera de reserva jurisdicional dos tribunais administrati- vos, tal como fixada pelo n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 5. Antes de mais, cumpre afirmar que as decisões administrativas que aplicam determinada sanção não podem deixar de ser consideradas como “actos administrativos”, na medida em que visam produzir efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta (assim, Vítor Gomes, As sanções administrativas na fronteira das jurisdições. Aspectos jurisprudenciais , p. 12). Acresce que tal “ acto administrativo” afigura-se sempre como uma manifestação da actividade administrativa de tipo agressivo, na medida em que comprime direitos sub- jectivos dos administrados, sujeitando-os a um determinado ónus – in casu , o pagamento de determinada quantia, a título de coima. Assim sendo, afigura-se igualmente incontroverso que o exercício de poder san- cionatório pela Administração Pública implica sempre a contingência de uma relação jurídico-administrativa entre aquela e o sujeito da sanção aplicável. Impõe-se, portanto, ponderar se a atribuição à jurisdição administrativa de poderes para “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídi- cas administrativas e fiscais” (artigo 212.º, n.º 3, da CRP) não fica comprometida pela possibilidade de os tribunais judiciais – e, em especial, no caso dos autos, aos tribunais do trabalho – apreciarem impugnações contenciosas de decisões condenatórias proferidas pelos competentes órgãos administrativos. Ora, a conclusão pela inconstitucionalidade do artigo 87.º da Lei n.º 3/99 – tal como sustentou a decisãorecorrida – pressupõe uma concepção demasiado ampla e absoluta da noção constitucional de “ reser- va de jurisdição administrativa” que, aliás, nunca foi acolhida pela jurisprudência constante neste Tribunal Constitucional. Pelo contrário, este Tribunal tem vindo sempre a considerar que a fixação constitucional de uma reserva de jurisdição (artigo 212.º, n.º 3, da CRP) não impede o legislador de cometer a outros tribunais – que não os administrativos – o conhecimento de questões decorrentes de relações jurídico-administrativas, desde que tal não descaracterize completamente o modelo de dualidade de jurisdições (a título de exem- plo, ver os Acórdãos n.º 347/97, n.º 458/99, n.º 421/00, n.º 550/00; 284/03, n.º 211/07, n.º 522/08 e n.º 632/09, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ; na doutrina, em sentido idên- tico, ver Sérvulo Correia, “A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos”, in Estudos em Memória do Professor Castro Mendes , 1995, Lisboa, p. 254; Vieira de Andrade, Justiça Constitucional (Lições) , 8.ª edição, 2006, Coimbra, pp. 112 a 114; Mário Esteves de Oliveira / Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos , Volume I (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), 2006, Coimbra, pp. 21 e 22. Impõe-se, apenas, que seja respeitado um núcleo essencial de matérias que não podem ser extraídas ao conhecimento da jurisdição administrativa. Adoptando, assim, uma noção moderada de “reserva de jurisdição administrativa” , veja-se, por todos, o Acórdão n.º 211/07 ( supra citado): «Desta jurisprudência ressalta o entendimento, várias vezes sublinhado, de que a introdução, pela revisão cons- titucional de 1989, no então artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, da definição do âmbito material da jurisdição administrativa, não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de exclu- dente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O preceito constitucional não impôs que todos estes litígios fossem conhecidos pela juris- dição administrativa (com total exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição “comum”), nem impôs que esta jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo consti- tucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das jurisdições».
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