TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prevenção e punição de comportamentos ilícitos que, apesar de gravosos e lesivos do interesse público, não alcançam um grau tal de ilicitude que justifique a sua incriminação penal. Deste modo, verificou-se “o reconhecimento de um poder atribuído por lei a órgãos administrativos para mediante actos de autoridade susceptíveis de definir unilateralmente a situação jurídica de outros sujeitos de direito, aplicar medidas de natureza punitiva, em ordem a reprimir comportamentos tipificados como infracção a deveres de acção ou de omissão estabelecidos na lei ou regulamento, [que] não sofre contestação actual no direito positivo por- tuguês” (Vítor Gomes, cit. , p. 6). Desde logo, não deve esquecer-se que não cabe apenas ao Direito Penal reprimir a violação da lega­ lidade. Bem pelo contrário, cabe igualmente ao Direito Administrativo, através das entidades encarregues da prossecução da actividade administrativa, proceder à vigilância escrupulosa do cumprimento das leis e, em caso de necessidade justificada, reprimir a sua violação, mediante o emprego dos meios coercivos do Estado, designadamente, através da aplicação de sanções administrativas (Ramón Parada, Derecho Admi­ nistrativo – Parte General , Vol. I, 16.ª edição, Madrid, 2007, p. 408; Marcelo Madureira Prates, cit. , pp. 25 a 50; Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos, Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais , Tomo I, 2004, Lisboa, pp. 70 a 72; Miguel Prata Roque, “Os poderes sancionatórios da ERC – Entidade Reguladora da Comunicação Social”, in Direito Sancionatório das Autoridades Regulado- ras, 2009, Coimbra, pp. 390 e 391). E, aliás, deve frisar-se que, não raras vezes, a gravidade da sanção administrativa – e, em especial, da sanção contra-ordenacional – tende a equivaler (ou mesmo superar) a correspondente lesividade da sanção penal, quer em função das avultadas quantias pecuniárias devidas a título de coima (Paulo Otero / Maria Fernanda Palma, “Revisão do regime do ilícito de mera ordenação social”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa , 1996, n.º 2, p. 562; Pedro Gonçalves, “Direito Administrativo da Regulação”, in Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano , 2006, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pp. 535 a 539; Miguel Prata Roque, cit. , pp. 432 a 437), quer pelo risco de descriminalização fictícia de condutas materialmente criminosas, com vista à subtracção ao regime mais garantístico, próprio da lei processual penal (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2004, Coimbra, p. 152; Paula Costa e Silva, “As autoridades administrativas independentes. Alguns aspectos da regulação económica numa perspectiva jurídica”, in O Direito , Ano 138.º, 2006, Tomo III, p. 557; José António Veloso, “Aspectos Inovadores do Projecto de Regulamento da Autoridade da Concor- rência”, in Regulação e Concorrência – Perspectivas e limites da defesa da concorrência , 2005, Coimbra, p. 57). Com efeito, em tese, poderia ter-se optado por um modelo de impugnação contenciosa assente na com- petência dos tribunais administrativos, tal como preconizado, entre outros, por Eduardo Correia [cfr. “O Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação Social”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa , XLIX, 1973, pp. 257 a 281], que, aliás, prevenia para o risco de manter o regime do ilícito de mera ordenação social como “ refém” do Direito Penal, considerando que “admitir um recurso para os tribunais comuns, seria, afinal, criminalizar decisões que, justamente, se quer que não tenham o sentido das sentenças que aplicam penas criminais” ( cit. , p. 276). Não foi essa, porém, aopçãodo legislador que, apesar deproceder auma segmentaçãoentreuma “fase admi­ nistrativa” (artigos 33.º a 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro) e uma “fase jurisdicionalizada ” do procedimento contra-ordenacional (artigos 59.º e 95.º do mesmo diploma legal), remeteu para os tribunais judiciais a competênciapara julgar aqueles recursos contenciosos (por forçadeuma interpretação sistemáticados artigos 59.º, n.º 1, e 61.º do Decreto-Lei n.º 433/82; neste sentido, ver Marcelo Madureira Prates, “A punição administrativaentreasançãocontra-ordenacionaleasançãoadministrativa,”in CadernosdeJustiçaAdministrativa , n.º 68, Março-Abril, 2008, p. 5; António Duarte de Almeida, cit ., p. 16; Joaquim Pedro Cardoso da Costa, “O recurso para os tribunais judiciais da aplicação de coimas”, in Ciência e Técnica Fiscal , n.º 336, Abril- -Junho, 1992, p. 56). Tendo em conta a decisão proferida nos autos recorridos – ou seja, no sentido da inconstitucionalidade da norma que atribui aos tribunais do trabalho competência para sindicar decisões condenatórias em matéria

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