TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
57 acórdão n.º 3/11 ao exercício da respectiva actividade. Essa é uma matéria que pertence às políticas primárias da comunidade nacional, pelo que só a Assembleia da República, ou o Governo por ela autorizado, tem competência para legislar nesse domínio. O respeito pela reserva de lei funcionará aqui como uma garantia do interesse geral contra o risco duma regulamentação de índole corporativista. Nessa matéria, não se pode esperar que a satisfação do interesse público resulte das medidas de prossecução dos interesses corporativos dos associados da ordem profissional, tanto mais que os destinatários da respectiva normação não são estes, mas sim os candidatos a nela ingres- sarem. Assim, independentemente da posição que se adopte relativamente ao âmbito da competência delegada das ordens profissionais para emitir regulamentos autónomos, nomeadamente em matéria de direitos, liber- dades e garantias (vide, sobre este tema, com posições não coincidentes, Vital Moreira, em A administração autónoma e associações públicas , pp. 186-192, da edição de 1997, da Coimbra Editora, Luís Cabral Moncada, em Lei e Regulamento , pp. 1088-1090, da edição de 2002, da Coimbra Editora, e Ana Raquel Gonçalves Moniz, em “A titularidade do poder regulamentar no direito administrativo português”, pp. 552 e segs., do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , vol. LXXX), ou sobre o âmbito do poder regulamentar atribuído pela lei ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em matéria de inscrição dos advogados estagiários [artigo 45.º, alínea g) , 182.º, n.º 1, e 184.º, n.º 2, do EOA], a consagração ex novo de um exame de acesso ao estágio de advocacia é um acto da competência exclusiva da Assembleia da República, pelo que a sua previsão em Regulamento aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados viola a reserva relativa de competência legislativa consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP. Neste mesmo sentido já se pronunciou, aliás, o Tribunal Constitucional, relativamente aos requisitos de acesso a outras associações públicas profissionais em que a inscrição é obrigatória para o exercício da respectivaprofissão, como a Câmara dos Solicitadores (Acórdão n.º 347/92, em Acordãos do Tribunal Cons- titucional , 23.º Vol., p. 99) e a Associação de Técnicos Oficiais de Contas (Acórdão n.º 355/05, em Acordãos do Tribunal Constitucional , 62.º Vol., p. 801). Nestes termos, procede a pretensão do requerente, devendo ser declarada a inconstitucionalidade dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º-A do RNE. III – Decisão Pelo exposto, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 9.º-A, n. os 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio, da Ordem dos Advogados, na redacção aprovada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, por violação do dis- posto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa. Lisboa, 4 de Janeiro de 2011.– João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – Catarina Sarmento e Castro – Carlos Fernandes Cadilha – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração em anexo) – Rui Manuel Moura Ramos . DECLARAÇÃO DE VOTO 1. O Provedor de Justiça solicitou ao Tribunal a apreciação das normas constantes dos n. os 1 e 2 do artigo 9.º-A do Regulamento n.º 52-A/2005 de 1 de Agosto (Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Con- selho Geral da Ordem dos Advogados. O preceito em que se inscrevem tais normas tem a seguinte redacção:
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