TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que os candidatos devem poder dispor para o realizar, mas antes se assumem como uma determinação ex novo de uma condição adicional de acesso ao estágio de advocacia. Assim, constata-se que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, invocando o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g) , do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO), que lhe atribui o poder de elaborar e aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, ao aprovar o exame previsto nos dois pri- meiros números do artigo 9.º-A do RNE, criou, por via regulamentar autónoma, uma nova condição de acesso ao estágio de advocacia. E sendo este tirocínio, em regra, necessário à inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados, a qual, por sua vez, é obrigatória para o exercício da advocacia, a realização e aprovação nesse exame funciona como uma condição essencial de acesso ao exercício da profissão de advogado. 3. O artigo 47.º, n.º 1, da CRP, inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, asse gura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. A liberdade de escolha de profissão tem vários níveis de realização, neles se incluindo a fase de ingresso na actividade profissional, a qual pode estar sujeita a condicionamentos de índole subjectiva, mais ou menos exigentes, impostos com a finalidade de assegurar a qualidade do serviço profissional a prestar, atenta a sua relevância social. Estes condicionamentos, quando assumem um cariz limitativo do universo das pessoas que podem exercer uma determinada profissão, inserem-se na zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, pela importância do papel que desempenham na definição da amplitude dessa liberdade, estando por isso a sua previsão necessariamente reservada à lei parlamentar, ou a diploma governamental devidamente autorizado, por se tratar de matéria atinente à categoria dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP. Ora, a realização do exame previsto nos dois primeiros números do artigo 9.º-A do RNE, permite à Ordem dos Advogados seleccionar, entre os candidatos ao exercício da profissão de advogado, apenas aqueles que nesse exame revelem o grau de conhecimentos por ela fixado como suficiente para o ingresso na fase de estágio, impedindo, assim, o acesso à profissão de advogado àqueles que não lograrem revelar esse grau de conhecimentos, não obtendo aprovação no exame. Estando nós, no caso sub iudice , perante o estabelecimento de uma condição limitativa do acesso a uma associação pública, de inscrição obrigatória para o exercício da respectiva actividade profissional, situamo- -nos na zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, pelo que a sua previsão, mesmo nas interpretações menos exigentes do alcance da reserva de lei, está obrigatoriamente abrangida por esta, estando tal maté- ria excluída da competência regulamentar autónoma da respectiva ordem profissional (vide, neste sentido, relativamente à definição dos requisitos de acesso às ordens profissionais, em geral, Jorge Miranda, em “As associações públicas no direito português”, in separata da Revista da Faculdade de Direito, 1988, p. 87, Jorge Miranda/Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa anotada , vol I, pp. 976-977, da 2.ª edição, da Coimbra Editora/Wolters Kluver, Vital Moreira, em A administração autónoma e associações públicas , p. 471, da edição de 1997, da Coimbra Editora, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada , vol. I, p. 658, da edição de 2007, da Coimbra Editora, e, especificamente, relativamente aos requi- sitos de inscrição na Ordem dos Advogados, João Pacheco de Amorim, em A liberdade de escolha da profissão de advogado, pp. 71-74, da edição de 1992, da Coimbra Editora). É certo que a lei no EOA [alíneas g) e h) do artigo 45.º], atribuiu à Ordem dos Advogados o poder de auto-regular-se, emitindo regulamentos sobre aspectos da sua vida interna, numa demonstração de des centralização normativa e aproximação dos instrumentos reguladores às instâncias reguladas, uma vez que, como nota Vital Moreira, “o regulador e os regulados são uma e a mesma coisa” ( Auto-regulação profissional e administração pública , p. 130, da edição de 1997, da Almedina), tendo as normas emitidas pela Ordem como destinatários os seus associados. Mas esse poder nunca poderá ser utilizado para invadir o núcleo duro do direito à livre escolha de uma profissão que abrange a definição das condições essenciais subjectivas de acesso
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