TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

52 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL profissional que irão receber. Daí que a Ordem tenha o direito, que é simultaneamente um dever, de verificar previa- mente a preparação científica de que são portadores esses candidatos à Advocacia. Este objectivo é essencial à boa formação profissional dos futuros Advogados, sobretudo num país onde o ensino jurídico se degradou acentuadamente devido à sua massificação, em consequência da proliferação de cursos de direito. Por isso se institui um exame nacional de acesso ao estágio apenas para os licenciados com menos de cinco anos de formação académica e, ao mesmo tempo, se transforma o exame de aferição num exame nacional de acesso à segunda fase do estágio.” O direito de escolha da profissão não é ilimitado. O legislador constitucional expressamente previu que o direi­ to de escolha da profissão é passível de ser restringido em função do interesse colectivo e da própria capacidade. O legislador ordinário expressamente previu limitações no acesso à profissão de advogado e, além disso, remeteu para o poder regulamentar autónomo da Ordem dos Advogados a indicação das normas a que obedece a inscrição. As normas constantes do artigo 9.º-A do Regulamento de Estágio são expressão do papel conferido à Ordem dos Advogados ao nível do acesso ao direito, da protecção jurisdicional efectiva dos cidadãos e da boa adminis- tração da justiça, papel esse que cria necessidades específicas de regulação que a Ordem deve poder satisfazer nos termos do papel que lhe é constitucionalmente conferido enquanto associação pública, no artigo 267.º, n. os 1 e 4, da Constituição. As associações profissionais públicas, como a Ordem dos Advogados, podem e devem aprovar regulamentos inde- pendentes como corolário da sua autonomia normativa, desde que devidamente habilitadas por lei. Como bem comentam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pp. 488, 489 e 490: «Só estão integralmente reservados à lei e à disciplina das matérias na medida ou nos aspectos considerados materialmente legislativos. E, para o efeito, mais do que insistir na restrição do poder regulamentar aos simples pormenores de execução, o que importa é assegurar que os aspectos objecto de normação (…) não se prendem com questões essenciais ou primárias que impliquem opções fundamentais que devam ser tomadas pelo legislador democrático nacional. (…) Afigura-se possível (…) numa ordem constitucional em que as matérias reservadas à lei são vastas e globais, admitir, em certas condições, a emissão de regulamentos independentes em matérias de reserva de lei». O exame foi criado ao abrigo do Estatuto da Ordem dos Advogados, mais especificamente ao abrigo do artigo 182.º, n.º 1, que se refere aos regulamentos de inscrição, e do 184.º, n. os 1 e 2, que se refere aos regulamentos de estágio e de acesso ao estágio, com apoio, ainda, nos artigos 45.º, n.º 1, alínea g), e 3.º, do mesmo Estatuto, que estabelecem, respectivamente, as competências regulamentares do Conselho Geral em matéria de inscrição e está- gio e as atribuições da Ordem dos Advogados. A liberdade de ingresso na profissão esteve sempre restringida. Do actual estágio que tem a duração global mínima de 24 meses já constam um exame intermédio e outro final (artigos 184.º e 188.º do Estatuto da Ordem dos Advogados). São, como vimos, razões de interesse colectivo e relacionados com a avaliação da capacidade própria dos can- didatos que legitimam estes exames. A Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que regula o ingresso na magistratura, assumiu, aliás, uma posição bem mais radical do que a prevista no Regulamento de Estágio da Ordem dos Advogados: a licenciatura não é pura e simplesmente suficiente, exigindo-se outras habilitações académicas ou profissionais. Nem mesmo com um exame uma pessoa que tenha apenas a licenciatura em direito pode ingressar na magistratura. O exame de acesso ao estágio não constitui uma restrição à liberdade de escolha da profissão, mas apenas uma limitação imposta pela necessidade de conciliar interesses contrapostos. Não cabe no âmbito da reserva de lei a instituição e exigência por associação pública de profissionais de um “exame de entrada na profissão”. Diga-se, aliás, que após debate sobre a proposta de proibição de exames de entrada na profissão, no âmbito da discussão e aprovação da Lei n.º 6/2008, o legislador acabou, depois de ampla contestação do Conselho Nacional

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