TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

51 acórdão n.º 3/11 Assim sendo, a introdução do referido exame de acesso constitui uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão, garantida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, que determina que “todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. A liberdade de escolha de profissão faz parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias cuja restrição só pode, nos termos do artigo 18.º, n. os 2 e 3, do texto constitucional, ser operada por via de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo. Em anotação precisamente ao artigo 47.º, n.º 1, da Lei Fundamental, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, 2005, p. 476): “A Constituição expressamente admite, no n.º 1, ‘as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade’. Quer dizer: a liberdade de profissão – a de escolha e, a fortiori , a de exercício – fica logo recortada no catálogo constitucional de direitos conexa com os dois postulados limitativos, com a consequente compressão do seu conteúdo. As restrições têm de ser legais, não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo”. Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2007, p. 658): “as ordens profissionais e figuras afins (‘câmaras profissionais’, etc.) não podem estabelecer autonomamente restrições ao exercício profissional – as quais só podem ser definidas por lei (reserva de lei)”. Deste modo, desde logo se conclui que a restrição, por via regulamentar, concretamente pelas normas do artigo 9.º-A, n. os 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio, do direito em causa, traduz uma violação do regime formal dos direitos, liberdades e garantias, designadamente a imposição constitucional, ínsita nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental, de que eventuais restrições se façam por lei em sentido formal. Integrando a liberdade de escolha de profissão o elenco dos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, a restrição imposta pelas normas do artigo 9.º-A do Regulamento deveria ter sido promovida por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei por aquela autorizado. Neste sentido, e analisando situação idêntica, conclui-se, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 347/92, que “a definição de quem reúne as condições legais para se inscrever [numa associação pública profissional, no caso do Acórdão a Câmara dos Solicitadores] inclui-se na reserva parlamentar, havendo, por isso, de constar de lei formal ou de decreto-lei do Governo, devidamente autorizado para o efeito”. Diga-se, ainda, que de acordo com abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a maté­ ria, mesmo que se entendesse que a introdução do exame nacional de acesso ao estágio da Ordem dos Advo­ gados não constituiria uma verdadeira restrição da liberdade de escolha de profissão, “a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias, abrange “tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa” (Acórdão n.º 255/02, que cita o Acórdão n.º 128/00). Desta forma, as normas em causa são inconstitucionais por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Lei Fundamental. Em resposta, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, representado pelo seu Presidente, o Bas- tonário, veio responder nos termos que, em síntese, se seguem: «O Regulamento Nacional de Estágio foi alterado pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro, do Conselho Geral, no sentido de criar uma exame nacional de acesso ao estágio, nos termos do artigo 9.º-A, n. os 1 e 2. A norma que criou o exame de acesso ao estágio teve, nos termos da deliberação que a aprovou, um objectivo claro de garantir a eficácia da formação e a valorização profissional do estágio, associadas à dignidade funcional e ao prestígio social da profissão de advogado. A deliberação esclarece ainda que com a instituição do exame de acesso ao estágio se visou assegurar que “os licen­ ciados que pretendem ingressar no estágio na Ordem possuam os conhecimentos jurídicos necessáriosà formação

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