TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
425 acórdão n.º 206/11 normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC]. Vejamos, pois, se tais requisitos se encontram preenchidos in casu ou se, pelo contrário, procedem os argumentos utilizados na decisão reclamada ou no parecer do Ministério Público, aqui reclamado. Comecemos pelos presupostos, cuja verificação é colocada em crise, elegendo, para a primeira aborda- gem, a análise da natureza do objecto de recurso de constitucionalidade. O reclamante centra o objecto do recurso na interpretação dada aos artigos 272.º, n.º 1; 120.º, n.º 2, alínea d) ; 141.º, n.º 4, alínea c), e 144.º, todos do Código de Processo Penal (CPP), no sentido de que “a não confrontação, em sede de interrogatório judicial, do arguido com todos os factos pelos quais este acaba por ser acusado, mas apenas com parte deles, não põe em causa os seus direitos constitucionalmente consagrados, incluindo as garantias de defesa respectivas”. Refere ainda que é inconstitucional a interpretação dada aos mesmos preceitos, “no sentido de que é possível e legal um cidadão português ser objecto de acusação formal, por factos concretos relativamente aos quais não tenha sido confrontado em Inquérito”. Tendo em conta os preceitos de direito infraconstitucional seleccionados pelo reclamante e a exposição – ainda que sintética – do seu juízo de inconstitucionalidade, consideramos que este pretenderá, embora sob uma formulação diversa, a sindicância da interpretação normativa, extraída da leitura conjugada dos supra referidos preceitos do Código de Processo Penal, no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de Inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com factos concretos, que venham a ser inse- ridos no despacho de acusação contra o mesmo deduzido. O objecto do presente recurso – delimitado em termos que cremos mais claros, na formulação supra , mas perfeitamente reconhecíveis, na formulação escolhida pelo reclamante – comporta uma dimensão nor- mativa, enquanto regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação genérica. Por essa razão, cremos ser idóneo o objecto do recurso. No tocante ao pressuposto da efectiva aplicação da norma a sindicar, deve considerar-se que a interpre- tação normativa individualizada pelo reclamante se encontra subjacente à decisão recorrida. Na verdade, tendo o tribunal a quo decidido que não configura nulidade, decorrente de insuficiência do Inquérito, a circunstância de o arguido não ter sido sujeito a interrogatórios complementares, para confronto com a totalidade dos factos por que venha a ser acusado, é de notar que a argumentação desenvolvida nos remete para a conjugação dos preceitos identificados pelo reclamante, sendo a dimensão normativa, selec- cionada como objecto do recurso, reconhecível na solução jurídica adoptada pela decisão recorrida. Relativamente ao requisito da prévia exaustão das instâncias, note-se que o juiz do tribunal a quo não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por ter entendido que a decisão instrutória, e a que apreciou a sua irregularidade, seriam susceptíveis de recurso ordinário (desaplicando, por inconstitucio- nalidade, a norma extraída do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, que consagra a sua irrecorribilidade), pelo que não estaria preenchido, em seu entender, aquele requisito. Ora, em situações em que, no ordenamento processual convocado pelo processo base, é controvertida a admissibilidade de impugnação de determinadas decisões, nomeadamente a sua recorribilidade, o Tribunal Constitucional tem admitido o recurso de constitucionali- dade, sem impor ao recorrente o ónus de exaustão dos recursos ordinários hipoteticamente existentes (v. g . Acórdãos n. os 21/87, 147/97 e 585/98). Por outro lado, quanto a este requisito – que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitan- do-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente –, este Tribunal já anteriormente decidiu no sentido da não desconformidade constitucional do referido artigo 310.º, n.º 1, à luz da anterior redacção do preceito – que veio a ser alterada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – que não continha a menção expressa da irrecorribilidade da decisão instrutória, na parte relativa a questões prévias ou incidentais. Sobre tal questão, pronunciam-se, nomeadamente, os Acórdãos n. os 216/99 e 387/99 (disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt ) .
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