TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o Acórdão decreta não assenta em vício de incompetência, ou noutro que inquine individualmente a norma do artigo 3.º, a pronúncia emitida visa, já não o jus constitutum , mas uma concreta opção de política legislativa, desenvolvendo-se, por isso, num plano que se me afigura não estar totalmente ao alcance do Tribunal Constitu- cional por força da resistência imposta pelo princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania consagrado no n.º 1 do artigo 111.º da Constituição, princípio que o Tribunal, aliás, invoca para censurar a actuação da Assembleia da República. – Carlos Pamplona de Oliveira . DECLARAÇÃO DE VOTO Dissenti quanto ao julgamento de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto n.º 84/XI da Assembleia da República, com fundamento nas seguintes razões: 1. A afirmação do princípio da separação de poderes resulta, desde logo, do teor do artigo 2.º da Cons tituição da República Portuguesa, porquanto nele se declara expressamente que «A República Portuguesa é um Estado de direito (…)», e, considerando-se que o princípio da divisão de poderes é um dos essentialia do Estado de direito, o qual, para além do mais, se baseia «(…) no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social, cultural e aprofundamento da democracia participativa». Aliás, reafirmando a essencialidade e o carácter estruturante de tal princípio, a Constituição da Repúbli- ca, no n.º 1 do seu artigo 111.º, determina que «Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição». Todavia, a densificação deste princípio, como se infere da doutrina ( v. g. , Nuno Piçarra, A separa- ção dos poderes, como doutrina e princípio constitucional, pp. 262 e segs.) e jurisprudência ( v. g. , Acórdão n.º 24/98) constitucionais, nem sempre é ou tem sido facilmente atingida. Pode afirmar-se, porém, que a constitucionalmente afirmada interdependência de poderes conduz a um inevitável afastamento de qualquer concepção rígida da divisão de poderes, porquanto, como nos dá conta Carlos Blanco de Morais ( Curso de Direito Constitucional , Tomo I, p. 41), «(…) em qualquer ordem cons- titucional, mesmo naquelas que como a norte-americana mais se aproximaram da rígida divisão de poderes de Montesquieu, exclui-se qualquer possibilidade de lateralidade estanquicista do exercício de funções. Na verdade, tendo em consideração que o princípio da separação de poderes reclama que o exercício do poder seja sempre limitado, considerando que “só o poder limita o poder” e tendo ainda em conta que existem relações de hierarquia e complementaridade entre esses poderes, regista-se que os órgãos que exercem o núcleoessencial de cada função jurídico-pública exercem controlos recíprocos relativamente a esse exercício. Trata-se da interdependência de poderes, princípio autónomo mas inseparável do axioma da separação (…)». Ora, mau grado essa progressiva diluição de fronteiras entre as áreas do legislativo e do executivo, haver- -se-á de convir que há um limite para além do qual a afirmação da interdependência se não justificará, sob pena de perda de racionalidade relativamente à organização do Estado de direito, tal como seja o “núcleo essencial” e caracterizador de cada um dos poderes. Somos, assim, chegados à “teoria do núcleo essencial”, referida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, pp. 46 e 47, anotação V ao artigo 111.º), segundo a qual «(…) a nenhum órgão de soberania podem ser reconhecidas funções das quais resulte o esva ziamento das funções materiais especifica e principalmente atribuídas a outro órgão (…)», mas respeitado tal núcleo essencial e, consequentemente, não resultando o mencionado esvaziamento, poder-se-á concluir, como concluem os citados autores, ainda que num contexto de afirmação da caracterização material da res trição admissível, que «(…) os diferentes órgãos podem desempenhar competências e funções que não se reconduzam àquelas que, de forma principal, a Constituição lhes reserva (…)». Ora, no caso sub judicio , não se identificando uma situação de violação desse “núcleo essencial”, tanto mais que, como bem se afirma no texto do Acórdão, «(…) Não assentam, porém, na pressuposição de uma
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