TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no Acórdão n.º 347/03, já citado: ‘[…] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n. os 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemni- zação, dada aquela sua ‘vinculação situacional’, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. […]’ Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93.º da Constitu- ição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da ‘produção e a produtividade da agricul- tura’ e a garantia de um ‘uso e gestão racionais dos solos’, e no artigo 66.º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para ‘garantir a conservação da natureza’. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que ‘uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo’ (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República , II Série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemniza- ção, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação. 9.3. Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas no n.° 1 do artigo 23.° e no n.° 1 do artigo 26.° do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e, consequen temente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação. Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da ‘justa indemnização’ postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igual- dade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos. Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integra- dos na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
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