TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL registam-se decisões de outros tribunais que optaram por aplicar o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil a acções idênticas à instaurada pela recorrida. Tudo visto, a recorrida não poderia ter deixado de antecipar a possibilidade de o legislador vir a pre- ver um novo prazo de caducidade da acção de impugnação da paternidade, na sequência do Acórdão n.º 23/06. Isto porque, conforme supra evidenciado, o Tribunal Constitucional não se havia pronunciado sobre as opções legislativas decorrentes daquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: i) aumento do prazo de caducidade; ou ii) pura extinção legislativa do prazo de caducidade. Acrescente-se ainda – embora não seja decisivo – que o modo como decorreu o procedimento legislativo aponta igualmente no sentido da não violação do princípio da confiança, por parte do legislador. O artigo 3.º da Lei acima referida resultou de uma iniciativa legislativa apresentada pelo grupo parla­ mentarPEV – Partido Ecologista “Os Verdes”, em 7 de Novembro de 2005 (cfr. in http://www.parlamento. pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=21079 ), que se limitava a acrescentar um novo n.º 7 ao artigo 1817.º do Código Civil, que dispunha: “desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo”. Mais se determinava, no artigo 2.º do referido Projecto de Lei n.º 178/X, que aquela alteração entraria imediata- mente em vigor. Ora, no decurso da discussão em especialidade, em 11 de Fevereiro de 2009, foi oralmente proposta, pelo grupo parlamentar PS – Partido Socialista, a introdução de um novo artigo 3.º – que corresponde inte- gralmente ao preceito legal ora em apreço –, sob a alegação de que tal visaria apenas obter uma “ conformação com o princípio geral de aplicação da lei no tempo” (cfr. Relatório da Discussão e Votação na Especialidade do Projecto de Lei n.º 178/X , disponível in http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIni- ciativa.aspx?BID=21079). Ou seja, anteriormente quer à data de instauração da acção pela recorrida, em 19 de Julho de 2006, quer à data de publicação do Acórdão n.º 23/06 já existia um projecto de lei, apresentado em 7 de Novembro de 2005 que não era apto a criar quaisquer expectativas jurídicas à recorrida quanto à possibilidade de instaurar acção de investigação de paternidade decorridos mais de trinta e quatro anos da sua maioridade, com vista ao reconhecimento dos seus direitos patrimoniais sobre herança (então) futura do alegado pai. Pelo contrário, o Projecto de Lei n.º 178/X mantinha intacta a redacção do n.º 1 do artigo 1817.º do Código, apenas lhe acrescentando um novo n.º 7 que permitia a instauração de acção de investigação da paternidade a todo o tempo, mas apenas restrito a efeitos pessoais. Como tal, não pode afirmar-se que o legislador tenha criado na recorrida a expectativa legítima de que viria a alterar o regime jurídico de instauração das acções de investigação da paternidade, no sentido da remo­ ção de um prazo de caducidade, o que conduziria à possibilidade de instauração a todo o tempo daquelas acções. Por outro lado, nem sequer se pode afirmar que existisse “ norma jurídica” de fonte jurisprudencial prévia ou contemporânea à instauração da acção de investigação de paternidade, na qual a recorrida pudesse depositar confiança na respectiva admissibilidade processual. Desde logo, o primeiro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que toma expresso partido pela tese de que tais acções deixariam de estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade apenas foi proferido em 14 de Dezembro de 2006 (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 06A2489, disponível in www.dgsi.pt ) , ou seja, quase cinco meses após a instauração da acção. Em suma, a norma jurídica desaplicada pela decisão recorrida não constitui uma “afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos” e, aliás, nem sequer pode afirmar-se que aquela tenha sequer colocado em crise uma expectativa legítima da recorrida. A aplicação do novo regime instituído pela Lei n.º 14/2009 e, em especial, do prazo de caducidade de dez anos contados da maioridade do alegado filho, por força do artigo 3.º do mesmo diploma legal não constitui assim uma mutação na ordem jurídica que não fosse expectável ou antecipável, de modo objectivo, pela recorrida, pelo que não viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP).

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