TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso em apreço, a norma de Direito transitório (artigo 3.º da Lei n.º 14/2009) determina a aplicação de um novo pressuposto processual negativo – v. g. a necessidade de cumprimento de um prazo de caduci- dade de dez anos contados da maioridade – que, ao invés de se revestir de natureza mais favorável à recorrida, determina a inadmissibilidade da acção já instaurada em 19 de Julho de 2006. Note-se, porém, que esta acção foi instaurada mais de trinta e quatro anos após a maioridade da recor- rida, circunstância que é decisiva nos presentes autos, na medida em que, independentemente da existência de um prazo de caducidade, o próprio direito de instaurar a acção já se encontraria prescrito, pois já tinham passado mais de vinte anos, conforme previsto no artigo 309.º do Código Civil (no sentido de admitir a ten- dencial imprescritibilidade do direito à investigação de paternidade, mas acabando por temperar essa defesa da não sujeição a qualquer prazo com a possibilidade de recurso àquele instituto jurídico, cfr. Guilherme de Oliveira, “Caducidade das Acções de Investigação”, in Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Famí- lia , Ano 1, n.º 1, 2004, p. 12). Deste modo, à data da instauração da acção, a recorrida já nem sequer beneficiaria de tal direito, por ter deixado correr mais de trinta e quatro anos desde a sua maioridade. Assim sendo, a norma extraída do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, tendo em conta as específicas circuns­ tâncias do caso concreto em análise, não configuraria uma restrição do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). Esta conclusão impede, pois, o recurso ao artigo 18.º da CRP para aferir da constitucionalidade da nor- ma em apreço, mas não invalida a averiguação do respeito do princípio da confiança enquanto manifestação do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP). 2. A questão que agora se coloca é pois a de saber se a recorrida gozava de uma legítima expectativa na vigência de um regime normativo que permitisse a instauração de acções de investigação da paternidade a todo o tempo. Ora, a resposta a esta questão pressupõe a leitura do Acórdão n.º 23/06 (publicado in Diário da Repúbli- ca, I Série-A, de 8 de Fevereiro de 2006) que se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade com for- ça obrigatória e geral da solução anteriormente consagrada pelo n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 1873.º do Código Civil. Ora, deste Acórdão apenas resulta que o prazo então previsto – de dois anos – configura uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal (artigo 26.º da CRP), não se podendo dele retirar qual o prazo mais consentâneo com a protecção desse direito. Assim sendo, a única consequência que se pode inferir daquele Acórdão para o presente caso é a de que o legislador ordinário goza de uma ampla margem para determinar – desde que acautelado o conteúdo essencial do direito à identidade pessoal – se pretende submeter as acções de impugnação de paternidade a um prazo preclusivo ou não. Cabe-lhe ainda fixar, em concreto, a própria duração do referido prazo. Foi esse poder que o legislador ordinário usou ao adoptar a Lei n.º 14/2009. Porém, a questão de inconstitucionalidade normativa ora em apreço não incide sobre essa concreta determinação, mas antes sobre a admissibilidade constitucional da aplicação do novo prazo preclusivo de dez anos a processos que se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor e, simultaneamente, instau- radas em data posterior à prolação do Acórdão n.º 23/06. Dito de outro modo: poderia a recorrida confiar, de modo objectivo, que o Acórdão n.º 23/06 teria como consequência, inelutável, o afastamento de um sistema de condicionamento temporal do direito de instaurar acções de investigação da paternidade? Da tramitação vertida nos autos, resulta que a acção de impugnação de paternidade foi instaurada em 19 de Julho de 2006, ou seja, em data posterior à prolação do Acórdão n.º 23/06, do Tribunal Constitucional, publicado em 8 de Fevereiro de 2006 ( Diário da República , I Série-A, n.º 28), encontrando-se o processo ainda pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, em 2 de Abril de 2009.

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