TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
392 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para as acções de investigação da paternidade –, em “resposta” à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferida pelo Tribunal no Acórdão n.º 23/06, quanto ao anterior prazo de dois anos . Agora, a questão que se coloca é outra. Posto que é objecto do recurso o disposto na norma transitória constante do artigo 3.º da Lei de 2009 (que, recorde-se, manda aplicar o regime nela fixado aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor), cabe ao Tribunal decidir se é ou não constitucionalmente proibida a atribuição de efeitos retroactivos ao novo regime, legalmente fixado, de caducidade das acções de investigação da paternidade. 10. A Constituição não impõe que o legislador ordinário fixe apenas para o futuro os efeitos das suas deci sões. Situações há, aliás, em que a atribuição, por lei, da eficácia retroactiva aos novos regimes que nela se pre- vejam corresponderá à melhor forma de prosseguir interesses públicos e de tutelar posições jurídicas subjectivas. No entanto, e como bem se sabe, este princípio conhece limites. Um deles é o que decorre da ideia de Estado de direito, constante do artigo 2.º da CRP, e da protecção, aí ínsita, da legítima confiança que os cidadãos depositam na continuidade da ordem jurídica. Outro é o que decorre das proibições expressas, e pontuais, de retroactividade das leis, que a CRP não deixa de prever nos artigos 29.º, n.º 1, 103.º, n.º 3, e 18.º, n.º 3. É certo que um e outro (o limite, não escrito, decorrente da protecção da confiança, e o limite, escrito, decorrente da expressa proibição de retroactividade) se não relacionam entre si através de uma lógica de oposições. Se a CRP proibiu expressamente, em certas circunstâncias, a existência de leis retroactivas, fê-lo porque considerou que, nelas, os valores de segurança inscritos no princípio do Estado de direito (e que induzem à protecção da confiança das pessoas quanto à razoável previsibilidade das mudanças operadas pelo legislador) devem sempre prevalecer sobre quaisquer outros direitos ou interesses que sejam constitucional- mente protegidos. Assim, perante uma proibição constitucional expressa da retroactividade das leis, torna-se inútil a averiguação do preenchimento do “teste” da protecção da confiança, teste esse que, para todos os efeitos, já foi efectuado e decidido pelo próprio legislador constituinte. Independentemente da questão de saber como é que, em abstracto, se deve definir a restrição legislativa de direitos fundamentais, e como é que, em tese, se deve distinguir entre legislação restritiva e legislação (meramente) conformadora, certo é que, pelas razões atrás expostas, os prazos, legalmente fixados, da cadu- cidade das acções de investigação da paternidade podem, em si mesmos, vir a afectar negativamente, e de forma intensa, posições jurídicas subjectivas constitucionalmente tuteladas. A circunstância de a lei prever um certo prazo para a caducidade da acção de investigação pode ter como consequência a impossibilidade, para o investigante, de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira. Assim sendo, não restam dúvidas que a fixação, em si mesma, desse prazo se traduzirá sempre em uma certa afectação negativa de posições jurídicas subjectivas que a CRP, em vários lugares (nomeadamente, nos artigos 26.º ou 36.º), protege. Tal não significa que essa afectação negativa seja constitucionalmente censurável. Pode muito bem não o ser. Visto que cabe ao legislador encontrar soluções através das quais se harmonizem diferentes, e por vezes conflituantes, direitos e interesses constitucionalmente protegidos, cabe-lhe também decidir se, e em que circunstâncias, se justifica a diminuição do alcance ou da protecção de um desses direitos ou interesses, em ordem à promoção equilibrada ou proporcionada de aqueles outros que com os primeiros conflituem. São, por isso, coisas diferentes, a “simples” afectação negativa de direitos fundamentais e a afectação inconstitu- cional de direitos fundamentais. No entanto, a afectação negativa de direitos, para se furtar à censura constitucional, tem que cumprir outros requisitos para além do da proporcionalidade. Nomeadamente, o que consta do n.º 3 do artigo 18.º, nos termos do qual as leis que afectem negativamente posições jurídicas subjectivas que tenham a natureza de direitos, liberdades e garantias não podem fazer retroagir, para o passado, os seus efeitos.
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