TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
39 acórdão n.º 214/11 hierarquia das fontes normativas, na qual a lei prevalece sobre o regulamento, pelo que aquela não só pode pré-ocupar o espaço do regulamento normativo, obrigando a Administração à sua observância, por respeito ao princípio da legalidade, como também pode alterar, substituir ou derrogar a normação regulamentar anteriormente emitida pelo Governo. São estas as consequências inelutáveis da prevalência da lei. E a revogação tout cour da normação regulamentar emitida anteriormente pelo Governo, no uso das suas competências, sem aprovação de um regime substitutivo, é uma das formas possíveis da Assembleia da República legislar nesse domínio. Se a maioria parlamentar entende que a aplicação duma determinada regulamentação emitida pelo Governo está a ser prejudicial aos interesses públicos visados com a legislação regulamentada, mas não pre- tende, no imediato, substituí-la por um novo conteúdo, legislando ela própria nesse domínio, nada impede que opte pela simples revogação daquela regulamentação, tornando-a inoperativa. E para isso, não necessita nem de revogar a norma do Decreto-Lei que remeteu esta disciplina para diploma regulamentar, nem de revogar os parâmetros constantes do Decreto-Lei que balizam essa regula- mentação. Se a Assembleia da República, apenas desaprova o conteúdo da regulamentação, concordando com a opção legística da sua conformação normativa em diploma regulamentar e com os parâmetros esta- belecidos no Decreto-Lei que previu essa remissão, não há qualquer justificação para que se condicione a admissibilidade dessa intervenção revogatória, à revogação da norma remissiva e à alteração dos parâmetros legais que balizaram a normação regulamentar revogada. Tais normas poderão continuar a subsistir, resul- tando um vazio regulamentar a preencher, em consequência da revogação da regulamentação vigente. E a opção por este tipo de intervenção enquadra-se na conjuntura política em que ela ocorreu. Tendo o Governo já pedido a sua demissão e o Presidente da República anunciado a dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições, a maioria parlamentar, em desacordo com o modelo de avaliação dos professores em curso, entendeu que deveria suspender a sua aplicação, relegando para o novo Governo saído das próximas eleições a tarefa de aprovar nova regulamentação. Note-se que não se revogou um acto da competência exclusiva do Governo, tendo-se antes revogado um diploma de cariz normativo cuja aprovação, alteração, substituição ou revogação está no âmbito da com- petência quer da Assembleia da República, quer do Governo. Uma intervenção deste tipo não priva o Governo dos instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão constitucionalmente reservadas, uma vez que mantém incólume a sua competência legislativa para desenvolver os princípios das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam [artigo 198.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição], assim como a sua competência administrativa para fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 199.º, alínea c) , da Constituição], podendo emitir novo regulamento do sistema de avaliação do desempenho dos professores, complementando e pormenorizando as regras que constam do Estatuto da Carreira dos Educa- dores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, seguindo a orientação legística definida no artigo 40.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, ou optando, até, por passar a inserir a respectiva matéria no próprio Estatuto, atenta a sua densidade normativa. Se é certo que a possibilidade de uma intervenção da Assembleia da República neste espaço de competên- cias concorrenciais que revogue, altere ou substitua anterior intervenção regulamentar do Governo, pode não só gerar conflitos institucionais, como ser um sério embaraço à prossecução das políticas definidas por um governo sem apoio parlamentar, isso não é razão suficiente para que se limite o poder de intervenção da Assembleia da República, subvertendo a repartição de competências dos órgãos de soberania, resultante da Constituição. Isto não quer dizer que o pleno exercício das competências governamentais exija necessariamente o apoio estável de uma maioria parlamentar. Esta apenas o facilita. A um governo minoritário exige-se uma acrescida acção de diálogo e negociação permanente, com a finalidade de obter o apoio necessário à prossecução de uma governação eficaz. E não se diga que este tipo de intervenção da Assembleia da República, como a que ocorre com o pre- sente Decreto, põe em causa a responsabilização política do Governo na estrutura tripartida de organização
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