TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
388 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., nascida a 19 de Fevereiro de 1954, intentou, junto do Tribunal Judicial de Cantanhede, acção ordinária de reconhecimento e investigação de paternidade contra B., alegando ser filha deste e pedindo o reconhecimento judicial de tal situação. A acção foi intentada a 19 de Fevereiro de 2006, ou seja, trinta e quatro anos depois de a demandante ter atingido a maioridade, fundamentando-se o pedido nas presunções de filiação biológica previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 1871.º do Código Civil. Além disso, requereu a demandante, em abono do seu pedido, que se procedesse de imediato à realização de testes de identificação biológica da filiação, quer através de amostras de sangue quer através de exames de ADN. Entretanto, morre e é cremado B., tornando-se fisicamente impossível a realização dos referidos testes. Perante o facto, requereu a demandante que os exames se efectuassem por recolha de elementos (amostras de sangue e exames de ADN) feita a C. e D., filhos de B. e agora réus, entretanto habilitados, na acção. Por despacho datado de 1 de Julho de 2008, determinou o Tribunal Judicial de Cantanhede, ao abrigo do disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil, a realização dos ditos exames. 2. Deste despacho interpuseram recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra C. e D., invocando, i. a. , a publicação superveniente da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril. A lei, para além de alterar a redacção do artigo 1817.º do Código Civil (aplicável ao caso por força do disposto no artigo 1873.º do mesmo Código), estabelecendo que as acções de investigação da paternidade só poderiam ser propostas “nos dez anos posteriores à maioridade ou emancipação” do investigante, vinha ainda determinar, no artigo 3.º, a aplicação do regime por ela instituído aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor. Assim sendo, e posto que caducara, face à nova redacção do artigo 1817.º do Código Civil e no entender dos agravantes, o direito de A. a ver reconhecida em tribunal, através de proposição da respectiva acção, a filiação biológica de B., sustentavam os agravantes que perdera utilidade o exame de ADN que havia sido ordenado pelo despacho proferido pela 1.ª instância, pelo que pediam que fosse o mesmo revogado por deci são do Tribunal da Relação. O pedido, no entanto, não viria a ser atendido. 3. Com efeito, por Acórdão datado de 23 de Junho de 2009 decidiu a Relação de Coimbra negar provi- mento ao agravo, mantendo portanto, e em confirmação da decisão recorrida, a sujeição de C. e de D. à realização dos testes de ADN. O tribunal decidiu assim porque recusou a aplicação, por inconstitucionalidade material, do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, “enquanto norma de direito transitório que manda aplicar, no que respeita ao prazo de propositura de uma acção de investigação de paternidade, retroactivamente, a redacção intro- duzida por essa Lei no artigo 1817.º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 1873.º do Código Civil) a uma acção que (como esta) foi proposta subsequentemente à publicação (em 8 de Fevereiro de 2006) do Acórdão n.º 23/06 do Tribunal Constitucional, e que se encontrava pendente à data da entrada em vigor (em 2 de Abril de 2009) dessa Lei n.º 14/2009.” Fundou-se esta decisão de não aplicação de norma na violação do princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 4. Deste Acórdão interpôs recurso para o Tribunal Constitucional o Ministério Público, nos termos do artigo 280.º da Constituição e da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
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