TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na mesma data, a Assembleia da República aprovou duas Resoluções (n.º 93/2011 e n.º 94/2011) em que efectuou recomendações ao Governo sobre a aplicação da apreciação intercalar da avaliação do desem- penho do pessoal docente, e consequente alteração dos mecanismos de avaliação, e sobre os princípios a que deve obedecer o novo quadro legal da avaliação e da classificação do desempenho das escolas e dos docentes. Nesta última Resolução, a Assembleia da República recomendou ao Governo que, até ao final do presente ano lectivo, aprovasse um novo enquadramento legal e regulamentar que concretizasse um modelo de avalia- ção do desempenho docente, para entrar em vigor a partir do início do próximo ano lectivo (n.º 1), devendo para o efeito previsto no número anterior, desenvolver todas as diligências no sentido de gerar o mais amplo consenso possível com os diferentes agentes educativos (n.º 2). Mais recomendou que o novo modelo de avaliação se norteasse por determinados princípios que enumerou em 11 alíneas (n.º 3). A compreensão destas intervenções legislativas não pode alhear-se da conjuntura em que elas ocorreram. O Governo tinha apresentado a sua demissão e o Presidente da República já tinha anunciado a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas. O Decreto Regulamentar agora revogado surgiu por opção legística do Governo que, ao desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo, no exercício das suas competências legislativas [artigo 198.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição], entendeu remeter para Decreto Regulamentar, a normação complementar do sistema de avaliação do desempenho dos professores, no artigo 40.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário. Em primeiro lugar, não tendo a Assembleia da República atribuído expressamente competência ao Governo para regulamentar esta matéria, é incompreensível que se exija a derrogação concomitante duma norma habilitante inexistente, para que a revogação daquele Decreto Regulamentar fosse constitucional- mente conforme ao princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado. Tendo sido o próprio Governo quem teve a opção de remeter para o âmbito de regulamento a matéria relativa ao processo de avaliação nele previsto, não estamos perante uma delegação de competência em órgão diverso, mas apenas perante uma definição das condições formais e o espaço de exercício da competência normativa governamen- tal em causa, pelo que não tem qualquer sentido que a Assembleia da República tivesse que derrogar uma delegação de poderes que não existiu para poder intervir naquela área. Não existindo, como bem refere o Acórdão aprovado pela maioria, uma reserva regulamentar do Gover no, e sendo a matéria do Decreto Regulamentar revogado, atenta a sua alta densidade normativa, perfeita- mente susceptível de regulação por acto legislativo parlamentar, ao abrigo da competência genérica atribuída pelo artigo 161.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição, como já tem sucedido em lugares paralelos (vide a regu- lação do procedimento comum de avaliação do desempenho dos funcionários da Administração Pública nos artigos 61.º a 75.º, da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro), facilmente se verifica que nos encontramos no amplo espaço aberto à intervenção concorrencial do Governo e da Assembleia da República. Se o Governo tem competência para fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 199.º, alínea c) , da Constituição], a Assembleia da República também não está impedida de ir tão longe na pormenorização dos regimes jurídicos que não possa legislar em matéria que o próprio Governo remeteu para Decreto Regulamentar. O facto de incumbir ao Governo, no âmbito da sua competência administrativa, a direcção dos serviços e a actividade da administração directa do Estado [artigo 199.º, alínea d) , da Constituição], não exclui do âmbito de competências da Assembleia da República o poder de conformar normativamente essa actividade, nomeadamente através da definição das regras do processo de avaliação de parte dos professores do ensino público, como aliás fez, relativamente ao regime geral da avaliação dos funcionários públicos. Uma coisa é a actividade administrativa de direcção dos serviços públicos, outra, bem diferente, é a aprovação das regras gerais e abstractas que integram o estatuto dos funcionários que trabalham nesses serviços. No espaço concorrencial entre actividade legislativa não reservada da Assembleia da República e a acti vidade regulamentadora do Governo não vigora um princípio de ocupação efectiva, mas sim o princípio da
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