TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
374 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que, para prevenir que os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevê-se a garantia do pagamento das prestações, não apenas em caso de incapacidade económica da empresa, como constava da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, mas também por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação do responsável (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril). Considerando especialmente a competência em matéria de pagamento de prestações, que agora está em foco, o que interessa sobretudo reter é que a responsabilidade do Fundo é uma responsabilidade garantística ou subsidiária, que visa suprir a eventualidade de o sinistrado não poder obter o ressarcimento dos danos resultantes do acidente de trabalho por virtude de uma situação objectiva de impossibilidade material que lhe não seja imputável. E não pode esquecer-se que o Fundo é financiado directamente pelas entidades seguradoras, através do pagamento de uma percentagem do valor correspondente ao capital de remição das pensões em pagamento, e indirectamente pelas entidades empregadoras seguradas, através da cobrança de uma percentagem dos prémios de seguros relativos a acidentes de trabalho, e funciona, deste modo, em articulação com a própria actividade seguradora (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 142/99). O Fundo exerce, por conseguinte, uma função social, que é, de algum modo, complementar daquela que é realizada através do regime de obrigatoriedade do seguro de responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, que recai sobre as entidades empregado- ras. Sendo certo que, também no que se refere às situações de agravamento de responsabilidade por actuação culposa do empregador, as instituições seguradoras, quando sejam chamadas a cobrir o risco, são apenas responsáveis subsidiariamente pelas prestações normais, e não pelas prestações agravadas, pelas quais apenas responde o empregador (artigo 37.º, n. os 1 e 2, da Lei n.º 100/97, que corresponde ao depois estabelecido no artigo 303.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Trabalho). Nestes termos, a limitação da responsabilidade do Fundo, por força da alteração introduzida pelo Decre to-Lei n.º 185/2007, às «prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa», acaba por constituir uma solução jurídica equivalente à que já estava prevista na Lei n.º 100/97 para a cobertura de riscos, pelas entidades seguradoras, no âmbito do sistema de seguro. E é de algum modo justificada por con- veniência de operacionalização do risco social que se encontra associado às contingências externas ao próprio regime legal do direito à reparação de acidentes de trabalho. Não é possível dizer que o trabalhador que não logrou obter a reparação dos danos resultantes de aci- dente de trabalho em consequência da incapacidade económica da empresa ou da ausência ou impossibili- dade de identificação do responsável, se encontre em situação inteiramente idêntica à daquele outro que, em condições de normalidade, pôde efectivar o seu direito de indemnização. É de considerar, por outro lado, que a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho é uma res ponsabilidade civil objectiva, que está associada a um princípio de risco empresarial ou até de socialização do risco, e que só é afastada, nos termos gerais, quando houver culpa do empregador, caso em que se apli- cam as regras da responsabilidade aquiliana e se não fixam quaisquer limites à indemnização (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2005, Processo n.º 1041/05; Romano Martinez, Direito do Trabalho , II Vol., 2.º tomo, 3.ª edição, Lisboa, pp. 183 e segs.). Deste modo, o agravamento da responsabilidade em caso de culpa do empregador, implicando a reintegração da totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais – e não apenas o direito às prestações previstas no artigo 296.º do Código do Trabalho, com possibilidade de limitações percentuais –, corresponde a um efeito ressarcitório que assenta numa responsabilidade civil subjectiva imputável ao empregador. Ora, neste contexto, não parece que o critério adoptado pelo legislador seja desajustado ou desprovido de um fundamento material razoável, quando limita a garantia do pagamento de prestações, a cargo do Fundo, aos prejuízos indemnizáveis segundo o regime-regra, isto é, segundo o regime de responsabilidade civil objectiva. De facto, estamos aqui perante uma responsabilidade meramente subsidiária, pelo que, no plano de política legislativa, tem cabimento excluir da garantia os montantes indemnizatórios que apenas tenham sido fixados em função do grau de culpa do empregador como directamente responsável pela produção do acidente.
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