TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se o diploma originário fosse produzido no uso de autorização), nem de invocar expressamente que intervém no exercício de uma competência complementar. Poderá colocar-se, em todo o caso, a questão de saber – aspecto também invocado pelo tribunal recor- rido – se o Decreto-Lei n.º 185/2007 devia cumprir a formalidade prevista no n.º 3 do artigo 198.º da Constituição, mencionando expressamente a Lei dos Acidentes do Trabalho como lei de bases ao abrigo da qual era produzida. O ponto é que o dever de invocação expressa da lei habilitante previsto naquele preceito constitucional só opera quando o Governo actua no âmbito de uma competência legislativa derivada para desenvolvimento das leis de bases, hipótese em que o decreto-lei está subordinado à lei da Assembleia da República. No entan to, no caso, não só a Lei de Acidentes de Trabalho não se auto-qualifica formalmente como lei de bases, como também a intervenção legislativa do Governo pode justificar-se, não por constituir um desenvolvimento dessa Lei, mas por se reportar a matéria cuja regulamentação foi expressamente remetida, através do artigo 39.º, para o legislador ordinário. E o certo é que o legislador foi claro ao enunciar, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 185/2007, que este diploma tinha por objecto apenas alterar o regime jurídico do Fundo de Acidentes de Trabalho criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, pelo que, justamente, quis intervir ainda no âmbito do complementação do regime jurídico instituído pelo referido artigo 39.º da Lei dos Acidentes de Trabalho e em cumprimento da remissão efectuada por esse preceito. Poderia, por fim, questionar-se – embora esse aspecto não tenha servido de fundamento à decisão – se a limitação da responsabilidade do Fundo às «prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa», implicando a exclusão do pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões por facto imputável à entidade empregadora – que veio agora a ser estabelecida pela nova redacção dada ao artigo 1.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99 –, não poderia representar uma restrição a direitos que já haviam sido legalmente concretizados, com a extensão que o legislador ordinário já antes lhe tinha conferido [sobre este aspecto, em geral, Gomes Canotilho /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I Vol., 4.ª edição, Coimbra, p. 771]. Para além das dificuldades que a abordagem da questão poderia desde logo suscitar, em tese geral, o certo é que não pode sequer afirmar-se, no caso concreto, que a nova redacção introduzida pelo Decreto- -Lei n.º 185/2007 tenha representado uma redução de direitos já anteriormente concretizados. De facto, o legislador teve essencialmente em vista, como já se fez notar, enunciar de forma mais rigorosa o âmbito de intervenção do Fundo, com vista a uma melhor definição de alguns aspectos particulares, e para clarificar questões que se tinham vindo a colocar no relacionamento com as empresas de seguros e com os tribunais. O diploma pretendeu, portanto, efectuar uma explicitação do âmbito da responsabilidade do Fundo, assu mindo, na prática, um carácter interpretativo relativamente à redacção do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 142/99. E, na verdade, este preceito, ao atribuir ao Fundo a competência para «garantir o pagamento das presta- ções que forem devidas por acidentes de trabalho», sempre poderia ser interpretado restritivamente de forma a excluir aquelas prestações que são apenas da responsabilidade do empregador por lhe serem directamente imputáveis a título de culpa. E, deste modo, não poderia configurar-se, por força da nova redacção, uma restrição a direitos já legalmente concretizados. O Decreto-Lei n.º 185/2007 não enferma, por conseguinte, de inconstitucionalidade orgânica. 3. Num segundo momento, a decisão recorrida considera que a referida norma do artigo 2.º do De- creto-Lei n.º 185/2007 é ainda materialmente inconstitucional, por violação do direito dos trabalhadores à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , e por violação do princípio da igualdade, a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, no ponto em que faz depender o direito do sinistrado da maior ou menor capacidade económica das entidades empregadoras responsáveis
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