TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
371 acórdão n.º 161/11 E é de entender, neste quadro de análise, que o regime de direitos, liberdades e garantias, designada- mente no que respeita à reserva de competência da Assembleia da República, é aplicável aos direitos suscep- tíveis de concretização ao nível constitucional, mas não já àqueles que, para além de um mínimo exigível, se tornam líquidos e certos no plano da legislação ordinária ( idem , p. 176). No caso vertente, o direito à justa reparação por acidentes de trabalho é perspectivado, não como um direito à segurança social destinado a proteger os cidadãos em situações de falta ou insuficiência de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, mas como um direito dos trabalhadores no âmbito da legisla- ção do trabalho, baseado num regime de responsabilidade civil do empregador tendo em vista a recuperação do sinistrado, segundo o princípio da restauração natural, ou a fixação de uma compensação pecuniária em caso de morte ou incapacidade para o trabalho, e que pressupõe, como garantia de pagamento, a obrigatorie- dade de transferência da responsabilidade do empregador para uma instituição seguradora. Visando essencialmente a criação de um regime indemnizatório de direito privado que se centra na relação entre o sinistrado, a entidade empregadora e a seguradora, o direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constituição, não impõe, no seu núcleo essencial, uma directa intervenção estadual através da atribuição de prestações materiais que destinem a suprir quaisquer eventualidades de insuficiência económica da entidade patronal, ou da própria seguradora, ou outras situações de impossibilidade objectiva de satisfação do crédito. E, nesse sentido, não é possível afirmar que a criação do Fundo de Acidentes de Trabalho, a que se refere o Decreto-Lei n.º 142/99, constituísse uma medida legislativa directamente imposta pelo preceito constitu- cional, e que, como tal, se encontre abrangida pelo regime de direitos, liberdades e garantias. Revertendo ao caso concreto, importa começar por notar que a Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 100/97) foi aprovada pela Assembleia da República ao abrigo da competência deferida pela alínea c) do artigo 161.º da Constituição [anteriormente prevista no artigo 164.º, alínea d) ], e foi, assim, emitida no âmbito da competência genérica do Parlamento, tendo vindo a prever, no seu artigo 39.º, um regime de garantia do pagamento de pensões e indemnizações por acidente de trabalho, quando se verificassem situações de impossibilidade de obter o ressarcimento através da entidade directamente responsável, através de um «fundo, dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho». O Governo veio justamente concretizar o regime jurídico definido no citado artigo 39.º, através do Decreto-Lei n.º 142/99, não deixando de declarar, no respectivo preâmbulo, que intervinha «no desenvolvi- mento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e nos termos das alíneas a ) e c ) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição». A alusão à alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º logo indicia, que, do ponto de vista do autor da norma, o diploma, embora tenha sido editado no âmbito do desenvolvimento de uma lei da Assembleia da República, se reporta a matérias não expressamente reservadas ao Parlamento, e que, como tal, poderiam considerar-se compreendidas na esfera concorrencial de competência do Governo. Não estando em causa, por outro lado, qualquer aspecto atinente à reserva de competência da Assembleia da República, como se deixou entrever, nada impunha que o diploma fosse produzido mediante decreto-lei autorizado – cfr. proémio do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição [quanto ao sentido útil a atribuir à interpretação conjugada das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 198.º, cfr. Carlos Blanco Morais, Curso de Direito Constitucional , Tomo I, Coimbra, 2008, pág. 306]. Assim sendo, o Governo agiu, como tudo indica, no uso dos seus poderes de complementação legal, intervindo numa lógica de repartição de tarefas no exercício da actividade legiferante sobre uma dada maté- ria, por força da remissão feita pelo dito artigo 39.º da Lei n.º 100/97. É patente, neste circunstancialismo, que o Governo não só pode alterar o diploma de desenvolvimento, como pode revogá-lo e substitui-lo por outro. E para introduzir qualquer nova redacção nas disposições do decreto-lei complementar não carece nem de qualquer prévia autorização legislativa (que só seria necessária
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