TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Entretanto, foi publicado o Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, que alterou a redacção de diver- sas disposições do referido Decreto-Lei n.º 142/99 e lhe aditou os artigos 5.º-A e 5.º-B. Como se depreende da respectiva nota preambular, esse diploma teve em vista, «proceder a alguns ajustamentos no respectivo regime jurídico, de forma a clarificar aspectos que se têm vindo a colocar, quer no relacionamento com as empresas de seguros, quer com os tribunais». E nesse sentido, explicita-se que, do ponto de vista do âmbito da intervenção do Fundo, se pretende «limitar as suas responsabilidades às previstas no artigo 296.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, visando excluir a responsabilidade do Fundo pelo pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais imputados à entidade empregadora, em termos equivalentes à responsabilidade das seguradoras, mas também excluir da responsabilidade do FAT o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa por parte da entidade empregadora, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º daquele Código». Assim se compreende que tenha vindo a ser conferida uma nova redacção ao artigo 1.º do referido Decreto-Lei n.º 142/99, com o aditamento de um n.º 5, que passou a consignar o seguinte: «Verificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.» Resta acrescentar que o referido diploma foi emitido pelo Governo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição e tem como objecto, como expressamente resulta do seu artigo 1.º, alterar «o regime jurídico do Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril». Neste contexto jurídico, o tribunal recorrido decidiu não aplicar a norma do artigo 2.º do Decreto- -Lei n.º 185/2007, na parte em que aditou um n.º 5 ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, desde logo com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, argumentando no essencial o seguinte: ao limitar a responsabilidade do Fundo às prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa da entidade empregadora, o legislador está restringir os direitos dos trabalhadores em matéria de justa repara- ção de acidentes de trabalho, na medida em que impede que estes possam ser ressarcidos pela totalidade da indemnização que fosse devida em caso de responsabilidade agravada; o Governo não dispunha de auto­ rização parlamentar para emitir legislação nessa matéria, nem invocou expressamente a Lei dos Acidentes de Trabalho como parâmetro para intervir no desenvolvimento do regime jurídico estatuído por esse diploma, como lhe era imposto pelo artigo 198.º, n.º 1, alínea c) , e n.º 3, da Constituição; e invadiu assim a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, coberta pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. Apreciando este primeiro fundamento de inconstitucionalidade, não pode deixar de reconhecer-se que o direito à justa reparação pelos acidentes de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ), da Cons­ tituição, que pode ter, em certas circunstâncias, um conteúdo análogo a um direito, liberdade e garantia, é, em geral, um direito positivo que habilita o legislador a adoptar políticas legislativas orientadas no sentido da protecção dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho. Não é, todavia, certo que o conteúdo prin- cipal desse direito, determinado ou determinável ao nível das opções constitucionais, inclua a intervenção garantística do Fundo de Acidentes de Trabalho a que se refere o Decreto-Lei n.º 142/99. Aceitando o princípio de que também os preceitos relativos aos direitos sociais têm um mínimo de con- teúdo determinável por interpretação em referência à Constituição, importa em todo o caso distinguir entre os direitos a prestações relativamente aos quais as normas constitucionais fornecem os elementos e critérios necessários e suficientes à sua aplicação, e que poderão considerar-se como de execução vinculada da Cons­ tituição, e aqueles outros cuja concretização depende de uma maior ou menor margem de conformação do legislador ordinário e, por isso, de uma intervenção legislativa autónoma que defina o respectivo conteúdo (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 4.ª edição, Coimbra, pp. 176-178).

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