TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL administração da justiça. É uma norma constitucional de competência, não uma norma de regulação material do conteúdo dos direitos susceptíveis de tutela ou critério de resolução de conflitos. É legítimo que esta norma seja interrogada quando tenha de averiguar-se se determinada competência pode ser atribuída aos tribunais ou pode deles ser distraída. Mas nada ela nos diz sobre o conteúdo dos direitos ou interesses legalmente protegidos para que pode buscar-se tutela. Da incumbência de “assegurar a defesa dos direitos dos cidadãos” nada se retira quanto à extensão desses direitos a defender. O tribunal que decide, por aplicação de normas jurídicas, que o direito do credor tem face a essas normas determinada extensão e não outra cumpre a sua missão de administrar justiça. 6. No limite, poderia admitir-se a invocação de outros parâmetros mais bem posicionados – designa- damente os do artigo 20.º da CRP – para confronto com uma solução normativa de que resultasse implicar o recurso ao processo executivo a aniquilação arbitrária do direito subjectivo exercido. Mas essa não é uma censura que possa fazer-se à norma em apreciação. A realização coactiva dos direitos através dos tribunais, a realização da prestação a que o credor tem direito ou que nisso se resolve através do processo executivo, impli­ ca a adopção de um procedimento que, devendo tender para identidade de efeitos práticos, por natureza se não identifica com a realização voluntária da prestação. Designadamente, havendo a transferência da coisa ou quantia do património do devedor (ou responsável) para o do credor de fazer-se mediante recurso ao tribu- nal, haverá necessariamente um desfasamento temporal entre o momento em que o objecto da prestação (ou equivalente) sai de uma esfera patrimonial (do responsável) para entrar na outra (do credor). Na repartição dos correspondentes “custos de transacção” deverá ser observado o princípio processual segundo o qual “a inevitável demora do processo não deve prejudicar a parte que tem razão”. Mas, em muitas situações, há custos inelimináveis do recurso a juízo a que não pode poupar-se a “parte inocente”, seja pela natureza da intervenção dos tribunais, seja pela praticabilidade e racionalidade do processo. Centrando-nos no que interessa ao caso – suposto o acerto da interpretação do direito ordinário em que não cabe entrar – a opção normativa em causa não constitui sacrifício arbitrário de uma das posições jurídicas substantivas em conflito. Por um lado, a maximização dos interesses do credor, que se viu forçado a recorrer ao processo executivo e que é, nesta fase e processualmente, “a parte que tem razão”, tenderia a fazer aproxi- mar o terminus da contagem de juros do momento em que se verificam as condições processuais para que a quantia exequenda seja posta à disposição do exequente. Portanto, na data da liquidação e não do depósito preliminar Mas, por outro lado, a localização da cessação da mora na data do depósito preliminar da quantia exequenda já liquidada, levando em consideração que “ao fazer o depósito a executada está a cumprir a obri­ gação”, sendo o mais que se lhe segue demora que, em princípio, lhe não pode ser imputável – não curando o Tribunal do caso concreto, a imputação das vicissitudes que levaram ao arrastamento da disponibilização das quantias depositadas ao credor não está aqui em apreciação – não se afigura inteiramente destituída de razoabilidade. Consequentemente, a solução adoptada, que equivale a colocar a cargo do credor o não rece- bimento de juros pelo tempo de privação do capital que, como diz o acórdão recorrido, corresponde às “con- tingências do processo executivo”, cabe na discricionariedade legislativa não sendo susceptível da censura de constitucionalidade que o recorrente lhe dirige ou que, a partir desses termos, é razoável que oficiosamente se desenvolva. III – Decisão Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 unidades de conta. Lisboa, 24 de Março de 2011. – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão .

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