TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

365 acórdão n.º 160/11 que a recorrente refere. É um dado para o Tribunal, no âmbito do presente recurso, que a contagem de juros de mora a que segundo a sentença condenatória dada à execução o credor tenha direito “até efectivo paga- mento”, cessa com o depósito preliminar da parte líquida ou já liquidada do crédito exequendo. É, portanto, esta solução normativa da qual resulta que o depósito preliminar da quantia exequenda já liquidada implica a cessação da contagem de juros, ainda que essa quantia só mais tarde (bastante mais tarde) venha a ingressar no património do exequente ou a ser colocada na sua disponibilidade. A recorrente censura esta solução por violação do n.º 2 do artigo 202.º e do 204.º da Constituição. Mais precisamente, o argumento da recorrente vai dirigido ao confronto daquela solução normativa com a incumbência dos tribunais de “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. A recorrente parece entender que, conduzindo a opção normativa criticada a que se não realize integralmente o direito do credor exequente no tocante ao montante a que tem direito a título de juros – entendido esse direito com a extensão de que a contagem de juros só cesse com a efectiva colocação da soma devida à disposição do credor – a norma levaria os tribunais a não cumprirem essa tarefa de “assegurar os direitos dos cidadãos” a que estão constitucionalmente adstritos. 5. A invocação destes parâmetros constitucionais para uma hipótese como a presente surge manifesta- mente deslocada. 5.1. A referência ao artigo 204.º como norma constitucional violada não é acompanhada de qualquer fundamentação específica. E é flagrante que não tem pertinência perante uma norma como aquela que está em apreciação. Trata-se de uma norma cujo comando imediato é dirigido ao juiz, consagrando o sistema de controlo judicial difuso de constitucionalidade, cuja violação pelo legislador só se concebe perante normas que versem sobre o regime ou os poderes do juiz na apreciação de constitucionalidade das normas nos feitos submetidos a julgamento. A norma constitucional que outorga aos tribunais, a todos os tribunais, acesso directo à Constituição para apreciação da validade constitucional das normas de direito infra‑constitucional que são chamadas a aplicar, pode ser infringida pelo juiz que a não cumpra ou pelo legislador que retire esse poder ao juiz, mas não pela norma cuja inconstitucionalidade devesse ser apreciada, no exercício da competência conferida pelo artigo 204.º da Constituição. 5.2. O n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, analisa a função de administrar justiça de que os tribunais estão incumbidos enunciando um conteúdo tríplice que tem sido objecto de leituras não coincidentes quan- to ao seu exacto alcance preceptivo. Para alguns autores (por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada , Vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 509), com estas fórmulas do n.º 2 do artigo 202.º, a Constituição abrange tendencialmente as três áreas de jurisdição: a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos apontaria para a justiça administrativa; a repressão da violação da legalidade democrática apontaria especialmente para a justiça criminal; a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados abrangeria principalmente a justiça cível. Para outros autores (vide, Rui Medeiros e Maria João Fernandes, in Constituição Portuguesa Anotada , Jorge Miranda/Rui Me- deiros Tomo III, Coimbra Editora, 2007, pp. 21 e segs.), as fórmulas do n.º 2 do artigo 202.º sublinham a dupla vertente da função jurisdicional, oferecendo nota tanto da finalidade subjectiva quanto da finalidade objectiva desta função do Estado confiada aos tribunais. A estes é cometida não só a tutela dos direitos, (asse­ gurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como dirimir os conflitos de interesses públicos e privados), mas a tutela do Direito (a repressão da violação da legalidade democrática). Seja porém qual for a dificuldade em adscrever um preciso conteúdo e estabelecer uma delimitação estan­ que para cada uma das tarefas enunciadas no n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, o que não sofrerádúvida é que este preceito respeita à identificação da função jurisdicional mediante as missões que lhe incumbem na

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