TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
36 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da administração pública postula actuações legalmente fundamentadas e o exercício de uma discricionariedade dentro do espaço legalmente consentido – o que terá de depender dos necessários apoios parlamentares e não de qualquer reserva de executivo.” Efectivamente, a única verdadeira “reserva de executivo” e’ a que se consigna no artigo 198.º, n.º 2, da CRP. Para que não saia afectado o princípio da separação de poderes é necessário aferir da não afectação do núcleo essencial do princípio que é constitucionalmente protegido. A dispersão de poderes por vários órgãos não comporta a absoluta confusão dos mesmos, salvaguardada a reserva de jurisdição. Com efeito, não se pode negar que existirá, ainda assim, uma área-limite, em que cada poder não pode, sem violação do princípio fundamental, interferir na actuação de outro. Como salienta Gomes Canotilho, “ o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre órgão e função e só admite excepções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial.” (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 559). O problema reside, no entanto, como assinala o mesmo autor, na determinação de qual seja o núcleo essencial de uma determinada função. Uma vez apuradas tais fronteiras, pode-se então aferir se, em cada caso concreto, as mesmas foram ou não ultrapassadas. Parece seguro, no entanto, afirmar que, respeitado o núcleo essencial, “os diferentes órgãos podem desempenhar competências e funções que não se reconduzam àquelas que, de forma principal, a Constituição lhes reserva” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 47). Não cumpre agora ao Tribunal a delimitação exaustiva desse campo inviolável de actuação do Executivo. O que interessa, para a resposta ao pedido que vem formulado, é apurar se a Assembleia usurpou, ou não, pelo Decreto em apreciação, funções que se enquadrem no núcleo essencial da função governativa. Ou, nou- tra formulação, retomando Gomes Canotilho, verificar se não foram violados os “limites constitucionais de natureza funcional à liberdade e extensão de conformação do legislador” (cfr. a anotação do autor ao Acórdão n.º 1/97, publicada in Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 130.º, n. os 3875 e 3876, p. 81). Vejamos o já longínquo, Parecer n.º 16/79, da Comissão Constitucional (in Pareceres da Comissão Cons- titucional , Volume VIII, pp. 222 e seg.), em que o Conselheiro Luís Nunes de Almeida apôs um voto de vencido, convocável para o tema que nos ocupa. Disse então o Ilustre Conselheiro, ao distinguir decisões políticas de actos administrativos, o seguinte: «Na realidade, nas democracias de hoje a separação de poderes é, mais do que nunca, um verdadeiro mito. O que não quer dizer, obviamente, que não continue a ser, isso sim, fundamental encontrar novas formas que per- mitam assegurar que o Parlamento, o Governo e os Tribunais se controlem e limitem mutuamente; só que, tendo em vista a evolução verificada, e no que respeita às relações Parlamento-Governo, tal terá de se traduzir neces sariamente no reforço da capacidade de actuação do primeiro sobre o segundo, e não no contrário: por todas as razões apontadas, o perigo está no esvaziamento das competências parlamentares e não na emergência de regimes convencionais ou de assembleia. Assim, os que consideram novamente actual a problemática da separação de poderes fundam-se para tanto nos riscos de uma concentração de funções no executivo, sem que o parlamento disponha de meios eficazes de controlo. (…) Nem se diga que (…) se trata de decisão política mas de acto administrativo reservado ao Governo, tendo em conta o preceituado na alínea g) do artigo 202.º da Constituição, na medida em que estamos perante actosou “providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das neces- sidades colectivas”. E isto porque tais actos e providências só terão natureza meramente administrativa quando, pela sua relevância e considerado o contexto político-social, não assumem uma evidente natureza política; e nesta última hipótese se enquadram as desintervenções, como desde logo inculca o facto de a definição dos seus meios e formas ser reservada à Assembleia da República. Como decisões políticas que são, as medidas de desintervenção podem e devem ser fiscalizadas pelo Parlamen- to; fiscalização ou controlo que pode assumir a forma de rejeição. Vejamos o que a este propósito diz Loewenstein:
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