TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o n.º 5 do artigo 280.º da Constituição – replicado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Cons- titucional – que haja, neste tipo de recursos, identidade de conteúdos entre a norma que o tribunal a quo aplicou e aquela outra sobre a qual já incidiu um juízo de inconstitucionalidade (emitido, como já se disse, pelo Tribunal Constitucional em decisão concreta ou em declaração com força obrigatória geral).» A norma efectivamente aplicada pelo tribunal a quo corresponde à norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 275/09, pelo que se dão por verificados os requisitos de identidade exigidos pelo recurso inter- posto ao abrigo da alínea g ) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 3. Importa, finalmente, tratar da questão relativa à alegada inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, decorrente da conjugação do tipo genérico do crime de desobediência [alínea a) do n.º 1 do arti go 348.º do Código Penal] com o n.º 3 do artigo 152.º e n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro. A possibilidade de tipificação de um crime de desobediência encontra-se inscrita na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia de República [alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição]. A Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro – que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, expressamente invoca –, não autoriza o Governo a legislar especificamente sobre esse aspecto. De facto, o artigo 1.º da Lei concedeu autorização ao Governo para “proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n. os 2/98, de 3 de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar”. Ora, analisado o artigo 3.º da Lei, e tendo em conta que “a extensão da autoriza- ção especifica quais os aspectos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as alterações a introduzir por força do exercício dos poderes delegados” (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 488/09 e o Acórdão n.º 358/92), a verdade é que a tipificação de um crime de desobediência por recusa de sujeição a exames para efeitos de fiscalização da condução sob o efeito de álcool não se encontra aí mencionado. Assim, a norma agora apreciada não beneficia de qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo. Porém, de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, essa não é, só por si, uma razão para optar pela inconstitucionalidade orgânica da norma. Com efeito, a falta de lei de autorização legislativa, em matéria de competência legislativa relativamente reservada da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório face à anteriormente vigente. Diz o Acórdão n.º 114/08: “Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitu- cional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores ema- nados do órgão de soberania competente [cfr. os Acórdãos n. os 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 340/05 estes tirados em Secção e publicados no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004 e de 29 de Julho de 2005, bem como o Acórdão n.º 123/04 (Plenário) publicado no Diário da República, I Série-A, de 30 de Março de 2004. Cfr. ainda, aliás com posição discordante, a indicação de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, pp. 234/235]. Para tanto, para que essa intromissão formal em domínios de reserva relativa de competência parlamentar seja irrelevante, é necessário que se possa concluir pelo carácter não inovatório da normação suspeita. Não bastará a
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