TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
340 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. Resulta claro que a norma do artigo 14.º, n.º 1, de direito transitório, na parte em que determina a não aplicação imediata do regime das custas dele constante, não afronta os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, da justiça da imparcialidade e da boa fé, referidos pela recorrente. Na verdade, configurado o objecto do recurso nos termos já referidos, a questão de constitucionalidade relacionada a tais princípios constitucionais prefigura-se manifestamente improcedente porquanto tal norma não comporta, recta via , qualquer sentido jurídico autónomo que constranja esses parâmetros constitucionais. E, no que concerne ao princípio da igualdade, haverá que recordar o que se refere no Acórdão n.º 708/05, e foi acentuado no Parecer do Ministério Público, ou seja, que o princípio da igualdade não opera de modo diacrónico em termos de permitir realizar uma comparação entre a posição dos particulares face a regimes jurídicos que se sucedem no tempo. Na verdade, o legislador não está impedido de determi- nar alterações legislativas neste domínio, com o consequente reflexo na alteração dos valores pagos pelos particulares a título de taxa de justiça. É patente que a sucessão no tempo deste tipo de regimes jurídicos, à semelhança com o que sucede genericamente sempre que se alteram os valores das contrapartidas corres pondentes a serviços públicos não gratuitos, determina uma diferença no modo como a Administração se relaciona com os cidadãos; mas essa diferença não é relevante para efeito da contabilização inerente à violação do princípio da igualdade tutelado no artigo 13.º da Constituição, a menos que surja de forma arbitrária. Ora, é justamente neste domínio que interfere, a par dos limites de liberdade de conformação do legislador, a consideração daquilo que a recorrente deveria prever como custo que teria que suportar no momento em que tomou a decisão de litigar; ou, dito de outro modo, à expectativa que legitimamente a recorrente tinha de poder beneficiar do novo regime de custas, nesse momento em que tomou a decisão de litigar. A resposta a esta questão faz apelo à jurisprudência do Tribunal quanto à salvaguarda das expectativas tuteladas pelo principio da confiança. Decorre dessa jurisprudência que, para que o princípio da segurança jurídica na ver- tente material da confiança seja tutelado constitucionalmente é necessário, desde logo, que o Estado tenha provocado alterações súbitas e imprevisíveis no modelo jurídico que disciplina a situação concreta. Nesse sentido, precisamente a propósito do princípio da confiança, este Tribunal já afirmou, através do Acórdão n.º 287/90 ( Diário da República , I Série, de 20 de Fevereiro de 1991): «“Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democráti- co (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 12 de Outubro de 1982, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º Vol., pp. 11 e segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça , n.º 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Cons- titucional, designadamente através dos Acórdãos n. os 17/84 e 86/84, publicados nos 2.º e 4.º Vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente).” (…) Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes.» A aplicação de determinadas normas a situações jurídicas pré-existentes – como é o caso das leis que se aplicam a processos pendentes – não pode ser integrada nos fenómenos de “retroactividade autêntica”, mas apenas na categoria de “mera retrospectividade” ou de “retroactividade inautêntica”. O n.º 3 do artigo 18.º da Constituição apenas proíbe as leis restritivas que produzam efeitos de “retroactividade autêntica”: “a proi- bição incide sobre a chamada retroactividade autêntica, em que as leis restritivas de direitos afectam posições
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