TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

33 acórdão n.º 214/11 esta intervenção possa ser encarada como uma súbita, não estruturada, e forte inflexão num caminho pen- sado, programado, negociado, percorrido e estabilizado. Creio dever ser possível deixar o caminho aberto à possibilidade de se ponderar – ponderação que aqui não era já exigível – se em casos excepcionais um certo modo e momento escolhido para algumas soluções normativas traduz ou não uma subalternização, numa menorização do Governo, naquilo que deveria tam- bém ser a sua afirmação, condução e execução de opções em matéria de políticas públicas, e que possa ser entendida como uma violação da separação e interdependência de órgãos de soberania, ao ser subtraído ao Governo o exercício de funções que não podem deixar de configurar um seu espaço mínimo e essencial na ordenação constitucional de funções. Era uma discussão que não cabia aqui, por não se revelar necessária à decisão, mas que não pode ser afastada, e muito menos, liminarmente decidida. Foi o que se fez ao afirmar- -se no Acórdão que a Assembleia da República pode sempre, por lei, contrariar o programa e opções políticas do Governo, sem mais se discutir. Foram estas, em suma, as razões pelas quais dissenti, pontualmente, da fundamentação. – Catarina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO Encontra-se colocada, em primeiro lugar, a questão que tem o seu núcleo fundamental na revogação operada pela Assembleia da República do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, efectivada pelo artigo 3.º do Decreto n.º 84/XI, sem que tenha procedido à revogação da norma habilitante (artigo 40.º, n.º 4, do Esta- tuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30 de Setembro. A matéria em questão é, nos termos de norma legal, de competência regulamentar. O que o requerente questiona não é nem a possibilidade, em geral, de uma lei poder revogar um regulamento, nem a existência de uma eventual reserva de regulamento. O que se questiona é o facto de o Parlamento ter revogado a regula- mentação administrativa, deixando intocada a respectiva habilitação legal. Isto é, a Assembleia da República continuou a relegar para o Governo, no âmbito da sua competência administrativa, a tarefa de proceder à regulamentação do regime em apreço, revogando, no entanto, a regulamentação que este, actuando nas fronteiras de tal espaço, havia determinado. A situação assim colocada foi expressamente hipotetizada no Acórdão n.º 24/98 (publicado no Diário da República , II Série, de 19 de Fevereiro), em termos que vêm expressamente transcritos no pedido (vide artigo 14.º do mesmo), e que, com proveito, releva que se explicite a respectiva fundamentação: «21. Em processo de fiscalização preventiva recente e a propósito de uma lei parlamentar que visara criar vagas adicionais no acesso ao ensino superior público, já atrás aludida, teve ocasião o Tribunal Constitucional de afrontar o âmbito do princípio da separação e interdependência de poderes e debater a questão de saber se poderia aceitar-se a existência de uma verdadeira reserva constitucional de administração (o Acórdão n.º 1/97, publicado no Diário da República , I Série-A, n.º 54, de 5 de Março de 1997). Entretanto, depois da data de assinatura desse acórdão ocorreu um aditamento ao texto constitucional que é pertinente à matéria e que importa destacar. Na verdade, a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, veio acrescentar, no enunciado das bases em que assenta a República Portuguesa, enquanto Estado de direito democrático, constante do artigo 2.º da Constituição, a referência à “separação e interdependência de poderes”. Assim, este princípio, que aparecia apenas formulado a propósito da organização do poder político (artigo 114.º, n.º 1, a que corresponde o artigo 111.º, n.º 1, da actual versão), como que adquiriu agora um reforçado reconhecimento, ao ser explicitadoinequívoca e claramente, na sua dupla vertente, como um dos essentialia do Estado de direito democrático. Tal foi, de resto, de um ponto de

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