TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

327 acórdão n.º 147/11 5.ª Com efeito, não se pode interpretar a alínea d) do artigo 40.º do Código de Processo Penal como se se reportasse apenas ao juiz que interveio em decisão de recurso anterior interposto no mesmo processo. 6.ª Essa é uma visão redutora e inconstitucional do princípio da imparcialidade dos juízes, porquanto a questão da imparcialidade do juiz coloca-se com tanta mais acuidade, quanto maior é a intensidade da sua participação no processo, conhecimento da causa e julgamento prévio de culpabilidade. 7.ª Ora, no caso dos autos o Juiz Desembargador Relator conheceu do mérito do recurso julgando o mesmo totalmente improcedente, no entanto, tendo em conta que o Tribunal da Relação não efectuou a audiência de recurso requerida, tal decisão foi declarada nula, pelo que se encontra impedido de participar em novo julgamento e nova decisão do recurso. 8.ª Aos “olhos” do cidadão comum e do recorrente, objectivamente, os juízes que julgaram o recurso interpos- to, sem a realização da audiência, voltá-lo-ão a julgar da mesma forma. Isto porque, foi realizado um juízo sobre os factos consubstanciadores da prática do crime, sobre o grau da culpa e, ao confirmar na integra a sentença prolatada em primeira instância, sobre as exigências de prevenção que ao caso se fazem sentir, ficando com uma convicção de tal modo arreigada quanto à sua culpabilidade que, objectivamente – e sem prejuízo da independência interior que os magistrados sejam capazes de preservar –, fica inexoravelmente comprometida a independência e imparcialidade desses magistrados no novo julgamento do mesmo recurso. 9.ª A imparcialidade objectiva, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão, pelo que não está, de modo nenhum em causa, a imparcialidade subjectiva do julgador que importava o conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo nas circunstâncias dadas e que, aliás, se presume até prova em contrário, mas uma objectividade que a afirmação da Justiça reclama. 10.ª Neste sentido, como refere Ireneu Barreto (Notas para um processo equitativo, análise do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, à luz da jurisprudência da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, in Documentação e Direito Comparado , n. os 49-50, pp. 114 e 115) – “esta garantia é insufici- ente; necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must also be seen to be done . 11.ª Acresce que, a decisão a tomar, em novo acórdão, será já a decisão final do recurso – por no caso não caber recurso para o STJ – e não qualquer decisão interlocutória, ou seja, não é, como se diz no Acórdão n.° 423/00 do TC uma intervenção do juiz no inquérito, “numa fase bastante embrionária do processo”, em que “carece ostensi- vamente de sentido sustentar que o juiz formulou logo aí uma convicção segura sobre a culpabilidade da arguida”, pelo que não permite “que se formule uma dúvida séria sobre as suas condições de imparcialidade e isenção ou a gerar uma desconfiança geral sobre essa mesma imparcialidade e independência”. Trata-se aqui de uma tomada de posição sobre toda a matéria de facto e de direito constante do processo. 12.ª A imparcialidade do juiz é uma exigência do processo justo, mas também um direito dos cidadãos enquantodestinatários da justiça e os cidadãos temeriam pela parcialidade do juiz no caso de ter julgado um determinado arguido e, por qualquer razão, tivesse de o julgar novamente pelos mesmos factos, enquadramento jurídico e circunstancialismo. 13.ª Como dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros na sua Constituição Portuguesa Anotada, corolário do princípio da separação de poderes, a independência dos tribunais constitui uma exigência indeclinável do Estado de Direito acolhido constitucionalmente (cfr. expressamente no sentido de que sem a independência dos tribunais a existência do Estado de direito sairia posta em crise, Acórdão do TC n.º 518/00. – cfr. Constituição Portuguesa Anotada de Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo III, p. 37. 14.ª Nessa sequência, dizem-nos ainda Jorge Miranda e Rui Medeiros, citando Castanheira Neves, “a inde- pendência é – deve ser – o status essencial de um verdadeiro tribunal e de um autêntico juiz, pois só no pressuposto dela e através dela a intenção à verdade e à justiça que é estruturalmente inerente à actividade dos tribunais – de cada tribunal – é susceptível de ser alcançada. Só no pressuposto dela e através dela existe a garantia de que a sentença judicial pode valer como emanação do direito e não simplesmente como acto decisionistado Estado.

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