TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
324 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, a adopção do critério de que o valor que não foi entregue ao Estado pelo agente é aquele que deveria constar de cada declaração a apresentar à administração tributária, nos termos determinados pela legislação aplicável a cada imposto, é perfeitamente justificado, uma vez que, residindo este crime na omissão de entrega de determinada quantia respeitante a imposto deduzido ou repercutido, o montante desta só pode ser aquele cuja entrega era devida e que devia constar da respectiva declaração informativa. O acto omitido foi o da entrega ao Estado dessa prestação e não dos diversos valores parciais que a integram, pelo que é pre- cisamente o montante dessa prestação que deve relevar para se apurar o valor do imposto não entregue e a consequente dimensão da ofensa ao bem jurídico tutelado pela incriminação aqui em causa. Se é verdade que os diferentes períodos estabelecidos pelas leis tributárias para a realização de um apura- mento do valor do imposto deduzido ou repercutido que deve ser entregue ao Estado pelo sujeito passivo, podem facilitar ou dificultar que as respectivas prestações atinjam o limite previsto no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, isso não retira ao critério estabelecido o seu fundamento material evidente acima apontado, não sendo possível qualificá-lo de arbitrário. E, no caso particular dos períodos estabelecidos no artigo 41.º do CIVA, a que devem respeitar as decla- rações periódicas de liquidação do IVA pelos sujeitos passivos, acresce ainda que, com excepção dos casos em que se verificou uma opção por um regime diferente, aqueles que estão sujeitos a um periodicidade mensal são os que têm um maior volume de negócios (igual ou superior a € 650 000 anuais), a que normalmente corresponderão também maiores valores de IVA a entregar ao Estado, enquanto os que estão sujeitos a uma periodicidade trimestral são os que têm um menor volume de negócios (inferior a € 650 000 anuais) e, portanto, em regra, também menores valores de IVA a entregar ao Estado, pelo que a diferente periodicidade acaba por contribuir para uma maior igualação das circunstâncias em que se encontram os sujeitos passivos relativamente à possibilidade de incorrerem na prática de um crime de abuso de confiança fiscal. No caso limite indicado na argumentação da sentença recorrida não é possível dizer que as duas situações eram idênticas, porque no caso em que o sujeito passivo estava obrigado a entregas mensais, estamos perante três comportamentos individualizados de omissão de entrega de quantias inferiores a € 7500, enquanto o sujeito passivo obrigado a entregas trimestrais tem um único comportamento de omissão de entrega de uma quantia superior a este valor. Esta dissemelhança é fundamento suficiente para um tratamento diverso que resultaria para o primeiro na prática de três contra-ordenações previstas no artigo 114.º do RGIT, e para o segundo na prática de um crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do RGIT. Perante esta análise conclui-se que a norma recusada também não viola o princípio constitucional da igualdade. Não se revelando que o disposto no n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, desrespeite qualquer parâmetro constitucional deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser julgado procedente. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 105.º, n.º 7, do Regime Geral das Infracções Tribu- tárias; b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em confor- midade com o precedente juízo de constitucionalidade. Sem custas. Lisboa, 22 de Março de 2011. – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos .
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