TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

323 acórdão n.º 146/11 cujos valores foram deduzidos ou repercutidos pelos sujeitos passivos, justifica-se que para a determinação da prestação tributária cuja não entrega é criminalizada, se recorra a tais estipulações técnicas, não sendo exigível a réplica de todas essas normas no tipo incriminador único de abuso de confiança fiscal. Em terceiro lugar, as normas do CIVA aplicáveis, limitam-se a auxiliar a concretização do conceito de prestação tributária, cuja não entrega é o elemento fundamental do tipo legal de crime de abuso de confiança tributária, não acrescentando um diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da previsão constante do artigo 105.º do RGIT. Aqueles preceitos legais, com interesse para a definição dos elementos do tipo legal de crime em causa, limitam-se a determinar o período temporal em que ocorreram as operações tributáveis, cujo decurso obriga à apresentação da declaração indicadora do montante do imposto a entregar ao Estado, relativo a esse período. Daí que o alheamento das finalidades perseguidas por essas normas a qualquer valoração penal não coloca em causa a satisfação da exigência duma prévia previsão legal desse sancionamento, uma vez que aquelas se limitam a servir como “bengalas de apoio” na descrição típica, não deixando esta de ser efectuada, no seu essencial, pela lei penal. E o facto de tais normas respeitarem a matéria tributária também não prejudica a apreensão da conduta tipificada como crime, até porque os destinatários dessas normas são precisamente os sujeitos passivos tribu- tários que podem incorrer na prática desse comportamento e que, portanto, têm obrigação de as conhecer perfeitamente. Pode, pois, concluir-se que o disposto no artigo 105.º do RGIT, descreve o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime, nomeadamente qual a prestação cuja não entrega é sancionada penalmente, não prejudicando a remissão contida no seu n.º 7 para as diversas leis tributárias, a necessária compreensão integral pelos cidadãos da conduta aí descrita, pelo que o seu conteúdo não atenta contra o princípio da legalidade em matéria penal (vide, sustentando idêntica conclusão, Nuno Lumbrales, na ob. cit., p. 89). O princípio da igualdade Na sentença recorrida entendeu-se que o critério adoptado pelo artigo 105.º, n.º 7, do RGIT, para a determinação do montante da prestação não entregue, também violava o princípio da igualdade. Considerou- -se que a utilização dos valores referentes a cada declaração a apresentar à administração tributária, tal como previsto no referido preceito, para efeitos de delimitação da incriminação, introduz um elemento discrimina­ tório, sem qualquer suporte material, pois que subverte a própria norma incriminadora visto que torna deci­ sivo para efeitos da incriminação, não os valores efectivamente retidos e de entrega legalmente obrigatória mas, de outro modo, os valores resultantes do regime de periodicidade da entrega das declarações fundada em razões de índole meramente burocrática. Argumentou-se que o referido critério conduz, no limite, ao resultado insustentável de tratamento diferenciado para efeitos de incriminação, entre contribuintes que, tendo deduzido em cada um dos meses de certo trimestre o mesmo valor de IVA e estando obrigados a entre­ gar um mesmo valor ao Estado, façam a entrega da sua declaração mensal ou trimestralmente, isto sempre que o valor em causa não exceda aquele definido como penalmente relevante (actualmente € 7500), pois que num caso (entrega da declaração trimestral) haveria crime e no outro (entrega mensal) já não. Este Tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre o princípio da igualdade, particularmente na dimensão da proibição do arbítrio, que assume maior relevo para apreciação do presente caso, firmando uma jurisprudência reiterada no sentido de que se é verdade que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impede, contudo, qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. O legislador ordinário, utilizando uma ampla margem de liberdade no exercício da sua actividade de criação e conformação dos tipos legais de crime, por razões de política criminal, na tipificação do crime de abuso de confiança fiscal estabeleceu um limite mínimo para o valor do imposto não entregue ao Estado pelo sujeito passivo – € 7 500.

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