TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tal recurso se apresente como manifestamente indispensável e a norma para que é feita a remissão seja clara na descrição da conduta punível. Esta exigência, decorrente da razão de garantia do princípio da legalidade penal, é denominada por princípio da tipicidade, traduzido pela conhecida formulação latina nullum crimen sine lege certa .» Regressando ao caso dos autos, o que está em causa é saber se o artigo 105.º, n.º 7, do RGIT, é descon- forme à Constituição, por não cumprir as exigências do princípio da tipicidade, mercê do conteúdo integral da sua previsão só poder ser obtido através de recurso à consulta de normas de natureza tributária. No artigo 105.º do RGIT, estabelece-se a punição penal para quem não entregue à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei (n.º 1), bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar (n.º 2), sendo conside­ rada uma prestação, para os efeitos dessa previsão, a soma dos valores que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária (n.º 7). O valor da prestação tributária não entregue ao Estado pelo sujeito passivo é, pois, um elemento do tipo, uma vez que só a não entrega de prestações superiores a € 7500 serão criminalmente punidas, definindo o n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, o critério determinativo do cálculo de uma prestação tributária, para efeitos de apuramento do valor que não foi entregue ao Estado pelo agente. Nos termos deste preceito, esse valor é aquele que deveria constar de cada declaração a apresentar à administração tributária, nos termos da legisla- ção aplicável. Serão, pois, os diplomas que regulam o modo de declaração à administração tributária dos diferentes impostos abrangidos pela previsão do artigo 105.º do RGIT, que concretizarão a aplicação do critério adop- tado para a determinação do montante das prestações não entregues pelo sujeito passivo. Tratando-se de IVA, no que respeita ao regime geral, é o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do CIVA, que revela que cada prestação tributária integra a diferença entre o montante que resulta da aplicação de uma taxa ao valor das vendas ou prestações de serviços, efectuadas durante um ou três meses, conforme o regime a que os sujeitos estão submetidos, de acordo com o seu volume anual de negócios ou a sua opção, e o montante do imposto suportado nas aquisições efectuadas no mesmo período. É o montante dessas prestações mensais ou trimestrais que, não sendo entregues à administração tributária, serão relevantes para aferir do preenchi- mento do elemento quantitativo do tipo legal de crime previsto no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT. Independentemente de sabermos se nos encontramos ou não perante uma norma penal em branco (vide, sobre o conceito de lei penal em branco, Jorge Miranda e Miguel Machado, em “Constitucionalidade da protecção penal dos direitos de autor e da propriedade industrial”, em Revista Portuguesa de Ciência Criminal , n.º 4 (1994), pp. 483-486, e Teresa Beleza e Frederico da Costa Pinto, em O regime legal do erro e as normas penais em branco , pp. 31 e segs., da edição de 1999, da Almedina. Qualificando o tipo legal de crime do artigo 105.º do RGIT, como uma norma penal em branco, vide, Nuno Lumbrales, ob. cit. , p. 89, e Paulo Marques, ob. cit., p. 92), a mera circunstância da norma tipificadora, contida no artigo 105.º do RGIT, remeter parte da sua concretização para outra fonte normativa, não é suficiente para que se con- sidere atingido o referido princípio da tipicidade, uma vez que este não obriga à conexionação no mesmo preceito legal ou na mesma lei da previsão integral da conduta proibida com a pena que lhe corresponde (vide, neste sentido, Figueiredo Dias, em “Para uma dogmática do direito penal secundário. Um contributo para a reforma do direito penal económico e social português”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 117, p. 47). Em primeiro lugar, aqui não se coloca o problema da fonte normativa para onde é feita a remissão não respeitar a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República que abrange a definição das condutas criminosas [artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição], uma vez que o CIVA foi aprovado por Decreto-Lei emitido pelo Governo, com autorização da Assembleia da República. Em segundo lugar, a técnica legislativa da remissão, tão frequente na tipificação do direito penal económico, é perfeitamente compreensível neste caso, uma vez que não cumprindo à lei penal, mas sim à lei tributária, estipular a periodicidade de liquidação, declaração e entrega dos valores respeitantes a impostos,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=