TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL política geral do País, sendo este o órgão superior da Administração Pública (artigos 182.º e 200.º da CRP), que submete um programa ao Parlamento (192.º da CRP), competindo-lhe o exercício da função admi­ nistrativa em matéria de direcção dos serviços públicos e da actividade da administração directa do Estado [artigo 199.º, alínea e), da CRP], assim como a prática de todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do estado [artigo 199.º, alínea d), da CRP], e a feitura dos regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 199.º, alínea c) , da CRP], sendo o Governo o único órgão com competência regulamentar genérica. Ora, ponderadas as características fundamentais, não excluo liminarmente que, mesmo em circuns­ tâncias diferentes das que se analisam relativamente às normas que vêm impugnadas, seja ainda possível encontrar situações de que forçosamente se conclua não haver sido respeitado o espaço nuclear mínimo de responsabilidade do Governo constitucionalmente exigido. Não afasto, por isso, no que mais particularmente ao Governo respeita, que da separação e interde- pendência dos órgãos de soberania decorra a identificação de situações em que o desenvolvimento de aspec­ tos da política geral do país deva continuar entregue ao Governo democraticamente legitimado, não lhe devendo ser amputado. Tal não significa que se defenda a existência de limites materiais à competência legislativa da Assembleia da República ou se ponha em causa que a este órgão seja conferida a possibilidade de, por lei, v. g ., identificar políticas públicas pré-ocupando um espaço, regulamentando-o, até. Não se pretende afirmar a subtracção de matérias ao poder legislativo do Parlamento ou diminuir a priori a sua competência de definição da política do país. O que entendo é que o Parlamento não pode tudo, em todas e quaisquer circunstâncias. O que, no fundo e a meu ver, a decisão do presente Acórdão confirma, ao ser disso mesmo exemplo. Ou seja, não deve afirmar-se peremptoriamente que por Lei tudo se pode. Vejamos. Neste Acórdão o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º por conside­ rar que «no espaço não ocupado por acto legislativo, cabe ao Governo determinar qual o conteúdo do acto regulamentar exigido para a boa execução da lei», e que «um acto legislativo do Parlamento que, mantendo intocados os parâmetros legais em função dos quais determinada actividade administrativa há-de ser desen- volvida, se limita a revogar a regulamentação produzida ao abrigo dessa mesma legislação que o Governo continua a ter de executar, priva este órgão de soberania dos instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão constitucionalmente cometidas» Concordo que no espaço não ocupado por Lei e que o Governo preencheu definindo legislativamente aspectos essenciais concretizadores de políticas públicas (aqui, em matéria de sistema de ensino), que depois regulamentou, a Assembleia da República não pode aprovar uma Lei que revogue a regulamentação respec- tiva, ordene a sua modificação e imponha que sejam encetadas negociações, de modo calendarizado. Mas não sustentaria, sem mais, como faz o Acórdão, que a Assembleia da República pode sempre modificar as opções fundamentais do Governo em matéria de políticas públicas, também elas materialmente caracterizadoras da orientação da actividade estadual. Tenho, além do mais, para mim, que a situação em apreço não obrigava a que se esgrimisse este argumento, facto que pesou decisivamente para que não acom- panhasse a fundamentação do Acórdão na sua totalidade. Mantenho dúvidas que se deva afirmar que sempre, e em qualquer circunstância – e, reforço, nem creio que fosse exigível ir tão longe, encontrada que estava a fundamentação – , a Assembleia da República poderá legislar contra um programa do Governo, e, ainda que através de Lei, contrariar sempre quaisquer opções já tomadas de modo firmado, opções nucleares e estruturantes à orientação da actividade daquele órgão, e que se encontram em plena execução (o que se tem demonstrado acontecer algumas vezes com governos minoritários, em situação de maiorias negativas do Parlamento). Defendo que não se deve fechar a porta a uma discussão (quando, e se, tal questão de constitucionalidade for levantada) que verse sobre o modo e o momento da modificação das opções do Governo, potenciadas por uma maioria negativa, sobretudo quando

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