TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
319 acórdão n.º 146/11 II – Fundamentação A decisão recorrida recusou a aplicação da norma constante do artigo 105.º, n.º 7, do RGIT (aprova- do pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), por inconstitucionalidade material, decorrente da violação dos princípios da legalidade e da igualdade, expressos nos artigos 29.º e 13.º da Constituição, respectivamente. Tal recusa de aplicação assentou nos seguintes fundamentos. Em primeiro lugar, entendeu-se que não é conforme à Constituição, por violação do princípio da lega lidade plasmado no artigo 29.º, norma penal que remeta, quanto à definição dos elementos objectivos da incriminação, para preceitos cujos critérios não tenham como referencial material o bem jurídico protegido com a incriminação, mas, de outro modo, outros fins sem dignidade penal, com mera relevância na eficiência dos serviços tributários (ou outros) ou de regras de boa gestão da contabilidade dos contribuintes, como são as normas constantes do artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) que estabe lecem o regime de apresentação à administração tributária das declarações periódicas de IVA. Em segundo lugar, entendeu-se que a utilização dos valores referentes a cada declaração a apresentar à administração tributária, tal como previsto no n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, para efeitos de delimitação da incriminação prevista no n.º 1 do aludido artigo, introduz um elemento discriminatório sem qualquer suporte material, visto que torna decisivo para efeitos da incriminação, não os valores efectivamente retidos e de entrega legalmente obrigatória mas, de outro modo, os valores resultantes do regime de periodicidade da entrega das declarações, fundada em razões de índole meramente burocrática. Conclui, por isso, que tal critério é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, visto que tal distinção não tem qualquer critério fundado à luz do bem jurídico tutelado com a incriminação. O artigo 105.º do RGIT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, tem o seguinte teor: “Abuso de confiança 1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja. 3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente. 4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. 5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a € 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas. 6 - [Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro] 7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.” Na redacção inicial deste artigo (resultante do Decreto-Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o RGIT) não estava previsto qualquer valor para a quantia não entregue como elemento do tipo, mas o n.º 6 previa o seguinte:
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