TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
313 acórdão n.º 112/11 Mas sem razão o faz. Desde logo, porque, nos termos do disposto no inciso final do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal (inciso que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 81.º, seria, em rigor, dispensável), em caso de conhecimento superveniente do concurso, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Assim sendo, é manifesto que a circunstância de, para efeitos de determi- nação da medida da pena única, se considerar a pena de prisão efectiva já cumprida, em nada prejudica o arguido. Em segundo lugar, porque, justamente face ao princípio da culpa, seria dificilmente compreensível qual- quer norma que impusesse que, em sede de cúmulo superveniente, fosse necessariamente considerada a pena única que resultasse de cúmulo jurídico anterior. Com efeito, proceder-se a um “cúmulo de cúmulo”, na acepção que o recorrente adopta, comportaria dois juízos globais de culpa que parcialmente se sobreporiam. Assim, deve concluir-se que a interpretação dada aos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal, no sen- tido de, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se dever considerar no cômputo da pena única as penas parcelares, desconsiderando-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior, não viola o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da CRP. 9. Entende ainda o recorrente que a norma sub judicio viola o disposto no n.º 4 do artigo 29.º da CRP. O preceito constitucional indicado pelo recorrente dispõe que “[n]inguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”. Não obstante a invocação desse preceito constitucional, em lugar algum das suas alegações o recorrente questiona, de modo articulado, a validade da dimensão normativa dos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal no plano da sucessão no tempo da lei penal, pelo que, desde logo, fica sem se perceber quais seriam, no entender do recorrente, as duas normas potencialmente aplicáveis cujo conflito haveria de resolver-se por recurso ao preceito constitucional indicado. Tal não é contrariado pela referência, feita na motivação das alegações apresentadas, à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pois com tanto o recorrente apenas afirma que a alteração legislativa operada por esse diploma vem confirmar o entendimento que o recorrente tem do regime legal em matéria de cúmulo jurí dico, situando a sua argumentação no plano do direito infraconstitucional. Além disso, e esse é o ponto decisivo, sendo certo que, tendo entrado em vigor, na pendência do pro- cesso, a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, se poderia colocar a questão da aplicação da lei penal no tempo, tal questão seria já uma outra questão de constitucionalidade, bem diversa daquela que integra o objecto do presente recurso e que competia ao recorrente, caso sobre ela pretendesse obter uma apreciação por parte do Tribunal Constitucional, indicar, autonomamente, no requerimento de interposição do recurso de consti- tucionalidade. Ora, em tal requerimento apenas vem indicada, como objecto do recurso, uma única questão de consti- tucionalidade, aí não sendo feita sequer qualquer referência à alteração introduzida ao artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. No que à norma sub judicio diz respeito é manifesto que o disposto no n.º 4 do artigo 29.º da CRP lhe não serve sequer de parâmetro adequado de controlo, pelo que a sua invocação pelo recorrente não tem qualquer sentido. 10. Alega também o recorrente que a norma sub judicio viola o disposto no n.º 5 do artigo 29.º da CRP, preceito que vem consagrar o princípio ne bis in idem . Mas, mais uma vez, não se vê como possa a sua tese ser recebida. Desde logo, não decorre da desconsideração de uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior, para efeitos de determinação da pena única em sede de cúmulo jurídico superveniente, que o mesmo facto seja valorado duas vezes, isto é que uma mesma conduta ilícita seja apreciada , com vista à aplicação da correspondente sanção, por mais do que uma vez .
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