TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

312 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Note-se que da aplicação do regime legal, na interpretação que dele faz o tribunal a quo , resultará, segu- ramente, em muitas situações, que, embora o limite máximo da moldura seja superior àquele que se obteria face a uma interpretação alternativa (designadamente, aquela que propõe o recorrente), o limite mínimo da moldura, por sua vez, é inferior, quando comparado com o que se obteria através da interpretação do regime legal proposta pelo recorrente (embora tal se não verifique no caso dos autos, tal sucederá sempre que a pena única obtida em sede de cúmulo jurídico anterior seja a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso). Tal significa que qualquer solução interpretativa do regime legal – nomeadamente, a que dele faz o recor- rente – tem consequências sistémicas que vão muito além da que se relaciona com a obtenção do limite máximo da moldura do concurso, vindo também afectar, pelo menos em certas situações, o limite mínimo da mesma. Saber se, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se deve optar por um regime que potencie uma inflação do limite máximo da moldura da pena única, aplicável ao concurso de crimes, ou antes por um regime que potencie um limite mínimo da mesma, é matéria que cabe primacialmente ao legislador, deven­ do este proceder a avaliações sobre factos (desde logo, estatísticos), a ponderações entre bens na óptica da política criminal (é preferível acautelar limites mínimos reduzidos ou antes limites máximos baixos?) e a juízos de prognose, que o Tribunal Constitucional não pode senão aceitar. Numa palavra, a Constituição não exige que, em sede de cúmulo jurídico superveniente, o legislador opte por aquele regime de que resulte a consagração de um limite máximo inferior (quando confrontado com o que decorreria de regimes legais alternativos, quaisquer que eles fossem). Tal não significa, obviamente, que a Constituição seja, neste domínio, totalmente “insensível” e que ao legislador tudo seja consentido. Simplesmente, os limites constitucionais à liberdade de conformação do legislador em matéria de definição das penas (vide, Acórdão n.º 336/08, já citado) não vão ao ponto de dele exigir que acautele que o arguido beneficie, em cada caso, de uma moldura abstracta cujo limite máximo seja mínimo. Assente que está que o simples facto de da aplicação da dimensão normativa sub judicio , se obter, no caso dos autos, uma moldura do concurso cujo limite máximo é superior àquele que se obteria em virtude de uma interpretação alternativa do regime legal, não comporta, só por si, qualquer violação da Constituição, vejamos então se, ainda assim, tal dimensão normativa não violará algum dos parâmetros constitucionais indicados pelo recorrente. 8.   Entende o recorrente que a dimensão normativa dos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal sub judicio viola o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). O preceito constitucional indicado pelo recorrente dispõe que “[t]odos têm direito à liberdade e à segu­ rança”. Atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 27.º da CRP – que admite a privação total da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão – deve interpretar-se a invocação do artigo 27.º, n.º 1, como centrada na violação do princípio constitucional da culpa, princípio esse que, tal como decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional, se retira parcial- mente desse preceito constitucional (nesse sentido, vide, Acórdão n.º 336/08, já referido). Apesar de tal não ser articulado nesses exactos termos nas alegações apresentadas pelo recorrente, resulta do teor das mesmas, lidas no seu conjunto, que o que é questionado é a compatibilidade com a Constituição de uma norma de que decorreria, no entender do recorrente, a aplicação de uma pena que excede a culpa do agente, assim se violando uma das dimensões do princípio da culpa. Entende o recorrente que, a partir do momento em que uma pena única, alcançada em cúmulo jurídico, é julgada cumprida e extinta, a mesma deve considerar-se esgotada para todos os efeitos, o que implica deve­ rem considerar-se esgotadas todas as penas parcelares que lhe deram origem, pelo que jamais poderão as mesmas relevar, autonomamente, para efeitos de cúmulo jurídico superveniente, pelo que seria inadmissível, à luz do princípio constitucional da culpa, desconsiderar-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior.

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