TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
311 acórdão n.º 112/11 se dever considerar no cômputo da pena única as penas parcelares, desconsiderando-se uma pena única já julgada cumprida e extinta, resultante da realização de cúmulo jurídico anterior. Como é bem de ver, desta “norma”, assim delimitada – e que foi efectivamente aquela que a decisão recorrida aplicou – decorrem dois problemas distintos, mas ligados entre si por uma razão de precedência lógica: em primeiro lugar, está em causa a questão de saber se, em sede de cúmulo jurídico superveniente, se pode ou não integrar no cômputo da pena única as penas parcelares , desconsiderando anteriores cúmulos ju- rídicos que, previamente, em relação a elas tenham sido realizados; em segundo lugar, está em causa a questão de saber se, tendo já sido cumpridas e extintas certas dessas penas únicas anteriores, achadas em cúmulo prévio, ainda assim poderão elas ser, desagregadamente, computadas no cálculo do cúmulo superveniente. Dada a necessária relação lógica entre estes dois problemas (ou entre as duas dimensões do mesmo problema), a tese do recorrente, que sustenta a inconstitucionalidade da “norma” por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 4 e n.º 5 e 32.º, n.º 1, da Constituição, nem sempre os distingue. Com efeito, e basicamente, alega-se o seguinte: a partir do momento em que uma pena única, alcançada em cúmulo jurídico, é julgada cumprida e extinta, a mesma deve considerar-se esgotada para todos os efei- tos, o que implica deverem considerar-se esgotadas todas as penas parcelares que lhe deram origem, pelo que jamais poderão as mesmas relevar, autonomamente, para efeitos de cúmulo jurídico superveniente. A esta tese acresce uma segunda ordem de ideias. Em primeiro lugar, entende ainda o recorrente que a revisão de 2007 do Código Penal, operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao eliminar do texto do artigo 78.º, n.º 1, o segmento “[…] antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, vem confirmar a interpretação por ele feita do regime legal em matéria de cúmulo jurídico. Além disso, refere o mesmo recorrente que o próprio enunciado literal da lei não admite a interpreta- ção segundo a qual, para efeitos de cúmulo jurídico superveniente, deve ser desconsiderada a pena única já julgada cumprida e extinta. Relativamente a esta segunda ordem de considerações, importa, no entanto, esclarecer que a mesma se reconduz a uma pretensão de demonstrar – através do recurso aos elementos literal e histórico da teoria da interpretação da lei – a bondade da tese do recorrente, no que respeita à determinação do sentido mais correcto do regime legal. Ora, situando-se tal matéria no plano do direito infraconstitucional, não pode a apreciação da mesma ter lugar nesta sede, porquanto, como ficou já dito, o juízo do Tribunal Constitucional recairá apenas sobre a conformidade com a Constituição da norma efectivamente aplicada na decisão recor- rida, independentemente do entendimento que se tenha sobre a correcção dessa solução interpretativa. 7. Assim, importa, desde logo, observar que o simples facto de a interpretação normativa cuja sindicân- cia se pretende conduzir, no caso dos autos, à construção de uma moldura da pena única cujo limite máximo é superior àquele que se obteria em virtude de uma interpretação alternativa do regime legal, designadamente daquela que é proposta pelo recorrente (pelo facto de – como, aliás, em regra se verifica, inexistindo qualquer especificidade do caso concreto – a pena única obtida em sede de cúmulo jurídico anterior ser inferior à soma das penas parcelares que lhe deram origem), só por si, não consubstancia qualquer violação da Constituição. Com efeito, não obstante a existência de limites constitucionais em matéria de definição de penas (vide, Acórdão n.º 336/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , a Constituição concede, neste domínio, uma ampla liberdade de conformação ao legislador ordinário. Ora, independentemente da questão de saber se a adopção de um sistema de cúmulo jurídico, em detrimento de um sistema de acumulação material, é constitucionalmente imposta – tema sobre o qual o Tribunal Constitucional não tem aqui que tomar posição – é manifesto que a operacionalização prática da determinação da pena do concurso é matéria da competência do legislador ordinário. Se, através da interpretação acolhida pelo tribunal a quo , se obtém, em certas situações de cúmulo jurí dico superveniente, como limite máximo da moldura da pena única, um valor superior àquele que se obteria face a uma interpretação alternativa do regime legal (designadamente, aquela que propõe o recorrente), é questão relativamente à qual, em si mesma considerada, a Constituição é indiferente.
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