TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

310 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 5.   A questão de constitucionalidade que, por intermédio deste recurso, é colocada ao Tribunal carece, para ser bem compreendida, de uma acertada contextualização. Em causa está essencialmente, e como acabou de ver-se, uma certa interpretação dada pelo tribunal de 1.ª instância (interpretação essa que o Supremo Tri- bunal corroborou) às normas constantes dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, que, em Secção dedicada à “[p]unição do concurso de crimes e do crime continuado”, dispõem sobre as regras da punição do concurso (artigo 77.º) e sobre o conhecimento superveniente do concurso (artigo 78.º).   Assim sendo, deve começar por recordar-se como é que, em decisão tomada pelas instâncias, se efectuou o cúmulo jurídico das diversas penas aplicadas ao arguido. O método seguido teve em conta o seguinte: (i) que, nos presentes autos, o arguido fora condenado na pena de 5 anos de prisão; (ii) que, noutro processo (processo n.º 14/04.1TOLSB da 5.ª vara criminal de Lisboa), por decisão já transitada em julgado, o arguido fora condenado em penas parcelares de 3 e 6 anos de prisão (por crime de falsificação de documentos e por crime de burla qualificada), e, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão; (iii) que, ainda noutros processos, fora condenado, pela prática de um crime de peculato, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e, pela prática de três crimes de falsificação de documentos, nas penas de 1 ano e 6 meses por cada um deles, tendo-lhe sido aplicado, em cúmulo, a pena única de 6 anos de prisão. Face a estes dados, entendeu a decisão recorrida, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, que o mínimo da pena a considerar seria o correspondente à pena parcelar mais grave (6 anos de prisão) e que o máximo da pena seria o correspondente à soma de todas as penas parcelares aplicáveis, ou seja, a 23 anos de prisão. Para achar quer este limite mínimo quer este limite máximo, “desfizeram-se” os cúmulos jurídicos anteriormente efectuados, e tiveram-se em conta, somente, as penas parcelares. Foi neste contexto que se achou, em novo cúmulo , a pena única de 11 anos e 6 meses de prisão. Como constava, também, do acórdão de 1.ª instância que, por decisão do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, certa das penas anteriores achadas em cúmulo já fora julgada cumprida e extinta, manteve o Supremo a condenação do arguido na pena única obtida através do método atrás referido, mas mandando nela descontar a pena já cumprida. Para tanto, teve em conta a nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, que determina: «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cum- prida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes». Entende o recorrente que é inconstitucional a interpretação que foi seguida pelo tribunal a quo, na medida em que permite que, em cúmulo jurídico superveniente, seja desconsiderada uma pena única já cumprida e já extinta,alcançada em cúmulo jurídico prévio, e nomeadamente por repristinação jurídica das penas parcelares que integram essa pena única, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 4 e n.º 5, e 32.º, n.º 1, da Constituição. Vejamos então. 6.   Deve começar por dizer-se que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar se a decisão recorrida interpretou correctamente o direito infraconstitucional. Na verdade, não lhe cabe censurar a correcção do juízo hermenêutico desenvolvido pelo tribunal a quo e, nomeadamente, se, como defende o recorrente, decorre do disposto nos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal que se não pode deixar de considerar, para o efeito de determinação do limite máximo da moldura penal da pena única a aplicar em sede de cúmulo jurídico, o cúmulo anteriormente efectuado, somando-se a pena única já cumprida e as penas parcelares aplicadas aos demais crimes. Sob apreciação está, única e exclusivamente, a conformidade com a Constituição da interpretação dada aos artigos 77.º, 78.º e 81.º do Código Penal, no sentido de, em sede de cúmulo jurídico superveniente,

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