TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

305 acórdão n.º 110/11 Assim, a regra será a de que,  na conjugação das referidas circunstâncias, só a rigorosa observância da contraditoriedade da produção de prova em audiência pode garantir que o arguido teve oportunidade de defender-se adequadamente. Vale por dizer que o juiz pode utilizar documentos constantes do processo desde o inquérito e não indicados pela acusação. Mas tem de confrontar em audiência os sujeitos processuais – aqui é o arguido que interessa, porque o facto lhe é desfavorável – com a possibilidade de consideração desse elemento de prova. 10. Todavia, esta exigência de princípio pode conviver, sem quebra da exigência de que o processo crimi­ nal assegure todas as garantias de defesa,  com excepções decorrentes da própria natureza do documento. Com efeito, a lei processual penal adopta uma noção ampla de documento, considerando como tal toda a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal (artigo 164.º do CPP). Esta remissão integrativa para a lei penal significa que se considera documento qual- quer “declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo conhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta” [artigo 255.º, alínea a ), do CP]. Porém, documentos há, como aquele cuja valoração está em causa, que se limitam a conter a narrativa de actos processuais ou do inquérito. O “objecto elaborado pelo homem” em que consistem (artigo 362.º do Código Civil)  visa traduzir  ou reproduzir o que ocorreu numa determinada diligência do inquérito ou do processo. Não são incorporados no processo para comprovar um facto externo, mas sim elaborados e integrando necessariamente o processo como instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais ou de inquérito. Não deixando de ser em sentido genérico documentos , em sentido material são autos (artigo 99.º do CPP). Ora, perante tais documentos, pelo menos quando a narrativa que contêm do que ocorreu em determinada diligência está indissoluvelmente ligada a um resul- tado que se destinou a preparar e que é expressamente invocado como meio de prova, o sujeito processual não pode ignorar a sua existência e aptidão probatória. A invocação probatória do resultado consequente é suficiente para assegurar que o arguido, patrocinado por advogado,  possa defender-se do auto que docu- menta uma diligência que é um  antecedente necessário à determinação desse resultado contra ele invocado, em termos de dispor e poder usar todos os instrumentos processuais necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação. No caso, estamos perante uma situação deste tipo. O documento em causa é o auto relativo à “análise para quantificação da taxa de álcool no sangue”, elaborado pelo agente da autoridade que conduziu o arguido ao estabelecimento de saúde, relatando a colheita da amostra de sangue para análise e contendo a assinatura do examinado e do médico que a ela procedeu. À recolha assim documentada seguiu-se a análise, cujo resul- tado, documentado no “relatório” de fls. 21, é expressamente invocado como prova na acusação do Ministé- rio Público. Esta invocação é suficiente para assegurar o contraditório e  a possibilidade de defesa do arguido relativamente ao instrumento que relata a recolha da amostra que dessa análise é antecedente necessário. Tem pois de concluir-se que a norma em apreciação, nestas especiais circunstâncias de aplicação,  não viola a exigência de que o processo penal assegure todas as garantias de defesa (n.º 1 do artigo 32.º da Cons­ tituição) e o princípio do contraditório na produção de prova (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição).

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